Qual é a sua personagem histórica favorita?
As personagens históricas, como vultos totais, aparecem-nos sempre romanceadas, e por isso não as consigo sentir por dentro, o que me impossibilita uma resposta directa. Identifico-me bastante melhor com certos momentos e decisões críticas reais. E são numerosíssimas e difíceis de ordenar.
Por exemplo: é espantoso Giordano Bruno a deixar-se queimar em testemunho, ou martírio, de que o mundo é material e infinito, são infinitos e talvez indevassáveis mundos; admiro Galileu e outros contemporâneos a conceber, pela primeira vez, de um modo coerente, as leis clássicas da mecânica, ao arrepio de toda a evidência costumeira; é apaixonante seguir aquelas duas ou três decisões com que Lenine desdogmatizou e vivificou o marxismo relativamente aos problemas com que se houve; e, mesmo que não seja historicamente real, admiro como paradigmática aquela atitude de Jesus Nazareno ao pedir: Perdoai-lhes, Senhor, que eles não sabem o que fazem! (Eles não sabiam que matar um homem, e sobretudo matar o Homem melhor que trazemos connosco, é que é a maior enormidade: é como que matar Deus em pessoa – em pessoa humana.)
E as heroínas mais admiráveis da vida real?
Todas as que, de algum modo, representam revolta lúcida contra a ética da resignação e da passividade – isto já que de mulheres se trata, e a exploração do homem pelo homem principiou sob a forma de exploração da mulher pelo homem.
A reforma política que mais ambicionaria no mundo?
O socialismo, ou seja, um processo sociopolítico que conduza a substituir o governo sobre os homens pela administração das coisas pelos homens.
Santos, José da Cruz (coord); Óscar Lopes - Um homem maior do que o seu tempo; 2007, Edição Câmara Municipal de Matosinhos (pág. 195)