A ética inerente à CDU é uma ética democrática, portanto de liberdade em processo, ou seja, de libertação.
Antes do mais, de libertação económico-social concreta: toda a história do nosso país se tem caracterizado por um empenho tenaz, mas em grande parte frustado, ao longo de oito séculos de independência política, contra a sua dependência económica. A estrutura social portuguesa nunca foi suficientemente evoluída para definir e impor uma prioridade dos interesses da nação, entendida como conjunto de todos os portugueses.
Na actual fase, essa luta secular pela autodeterminação sócio-económica ergue-se contra a submissão das prioridades nacionais hoje tecnicamente mais viáveis a médio ou longo prazo às prioridades de um bloco, a CEE, liderado pelas grandes concentrações capitalistas que tiveram a oportunidade histórica de se estruturar sobretudo em duas ou três potências ocidentais europeias; e a nossa alienação já foi até ao ponto de, pelo Acto Único, se aceitar uma instância de decisão supra-nacional, formalmente majoritária, mas realmente condicionada pelas grandes concentrações capitalistas. Não tem havido liberdade efectiva no modo como se tem processado a integração de Portugal nesse bloco: já não são apenas o PCP e as forças da esquerda consequente a reconhecer que as decisões fundamentais foram tomadas sem discussão e consciência nacional suficientes, isto é, sem democraticidade real.
A CDU, no domínio da CEE, como no domínio políticomilitar da NATO, não renega os acordos assumidos pelo Estado português, mas empenhar-se-à na luta, centímetro a
centímetro, pela prevalência dos interesses nacionais. E é também dentro das melhores tradições históricas que se empenha na preservação dos instrumentos socio-económicos internos de autodeterminação, nomeadamente na coexistência de diversos sectores económicos com as respectivas e insubstituíveis funções: um sector público que impeça a desarticulação das posições-chave pela emergência de novos grandes grupos, como os grupos fomentados pelo fascismo, mas doravante ainda mais controlados por centros de decisão estrangeira; um sector de capitalismo empresarial dinâmico, e não especulativo, como infelizmente tantas vezes tem entre nós acontecido; e um sector cooperativo de vocação radicalmente democrática, antimonopolista e antilatifundista, incluindo as UCPs da Reforma Agrária.
A liberdade concreta, a liberdade como processo de libertação, tem a sua face política, quer na preservação real das garantias constitucionais, quer no incentivo à participação popular a todos os níveis: autárquico municipal e regional, partidário, sindical e outros. A CDU prossegue a firme orientação dos comunistas e outros democratas na defesa das fatias orçamentais e dos poderes decisórios que devem pertencer à administração local, às forças organizadas da população, dos consumidores e dos trabalhadores.
Por outro lado, a CDU opõe-se o todas as manobras que se destinam a minar os princípios constitucionais que conferem à democracia um sentido preciso e inequívoco: a rigorosa proporcionalidade nos resultados do voto eleitoral (não desejamos governos eleitos, e às vezes com confortável maioria parlamentar, por uma minoria de votos eleitorais); o reconhecimento, se não para efeitos imediatos, pelo menos como norma a atingir quanto antes, de que se não pode ser plenamente livre sem o acesso real a todos os graus de ensino, sem garantia de emprego remunerado e adequado às habilitações, sem serviços de saúde pública, de justiça, de
informação e de realização cultural abertos a todos os cidadãos, sem observância do princípio de que se devem fazer casas para todos terem onde morar e não para alguns viverem das suas rendas.
A emancipação económica, a participação política e um elevado nível de garantias são parte integrante e básica da cultura. No sentido mais estrito, respeitante ao
desenvolvimento artístico, literário, teatral, científico, técnico, urbanístico, desportivo e dos lazeres de qualidade – os problemas portugueses põem-se em termos análogos aos da autodeterminação material. Os portugueses dispõem de um importante património cultural, mas, com ressalva de alguns casos ou aspectos particulares, não tiveram a oportunidade histórica de alcançar a vanguarda internacional nos seus oito séculos de independência política, que correspondem afinal
às sucessivas fases de desenvolvimento do capitalismo. (…)
Trata-se agora, não de praticar qualquer isolacionismo cultural, mas, pelo contrário, de defender as potencialidades portuguesas acompanhando um mundo de rápidas
movimentações, de comunicações por satélite, de centralização internacional de dados, de poderosas redes de informação e até de coedição poliglótica. É preciso fomentar a iniciativa e a autonomia possível na divisão internacional do trabalho e da criatividade. É preciso dar aos escritores, aos artistas, aos investigadores reais condições de profissionalidade e de organização livre e emprendedora; é preciso efectivar condições de contacto entre a criação e a sua fruição popular, a partir de uma escola activa e a aberta e do incentivo a todas as formas de associativismo cultural. (…)
Um aspecto importante é o da promoção cultural da língua portuguesa, cujo domínio ultrapassa largamente as fronteiras nacionais. No plano das relações internacionais em geral, advogamos uma linha também claramente oposta à da actual propaganda e desinformação oficial portuguesa: advogamos uma política que, no quadro dos compromissos assumidos, se empenhe na criação de uma atmosfera de desanuviamento e concertação, de abertura a todas as formas e quadrantes de intercâmbio, pois cada passo dado no sentido da corrida ao armamento significa um grau a menos na capacidade de autodeterminação de todos os povos, e sobretudo daqueles que, como Portugal, não podem fazer valer um grande peso demográfico nem um grande desenvolvimento tecnológico.
Depoimento de Óscar Lopes para o Suplemento Cultural do DN (18 de Junho de 1987)