Maria Olinda Moura
Li o Evangelho segundo Jesus Cristo em fevereiro de 94 sentada numa cadeira, abafada entre a pequenina cama do Hospital Maria Pia e a divisória que separava cada um dos pequeninos “quartos” dessa enfermaria para bebés. Não cabia mais nada nesse espaço. Eu própria só lá conseguia ficar de pé, praticamente imóvel, quando chegava a enfermeira para fazer os tratamentos necessários ao meu filho, internado com pouco mais de um mês de idade com uma bronquiolite.
Na enfermaria, outros bebés ocupavam os restantes cubículos, todos iguais. Num dos contíguos ao meu estavam mãe e filho vindos dum concelho do interior, tendo a mãe sido alojada num edifício próximo do hospital destinado a esse fim. Por essa razão podia acompanhar o filho, o que lhe atenuava a dor de o ver doente. O mesmo se passava comigo. Foi-me permitido estar com o meu filho desde as oito da manhã até às dez da noite (e mais tarde, com muito rogo, até à meia-noite). Eu e ela habituámo-nos à presença mútua e, de vez em quando, trocávamos algumas palavras de circunstância sobre os meninos, o seu nascimento, as famílias… Nada de mais, pois os nossos
filhos ocupavam-nos o pensamento e o ânimo.
Durante cerca de um mês, os meus olhos passearam-se pelo sono do meu filho, deitado na pequenina cama e coberto por uma campânula vaporizada para manter a humidade necessária ao tratamento da doença; a minha boca entoou, repetidamente, breves canções de embalar quando era necessário
acalmá-lo e adormecê-lo e as minhas mãos tocaram as suas, pequeninas, para nos sentirmos um do outro. De resto, só intervalava para as refeições.
Aproveitando os momentos do sono do meu José, comecei, então, a leitura do Evangelho segundo Jesus Cristo. A compra do livro era recente, uma edição do Círculo de Leitores, por cortesia da Editorial Caminho e levei-o comigo. Foi das leituras mais interrompidas de que me lembro e só a narrativa absorvente ajudou a desvalorizar essa intermitência.
Mas, para o caso, não importa o relato de leitura nem o juízo que da mesma se possa fazer. Para o caso, importa outra memória: quando o bebé vizinho do meu teve alta, a mãe terminou os preparativos para a partida e veio despedir-se de mim, desejando muita saúde e felicidade para o meu menino e deixando-me um “santinho” para me dar muita força e que me agarrasse a Deus, pois tinha percebido, pelo livro que eu andava a ler, que eu era uma pessoa de fé.
Num ímpeto, abracei-a e desejei, comovida, as maiores felicidades para o menino dela. O "santinho” ficou algum tempo guardado entre as folhas do livro, mas acabei por lhe perder o
rasto.