Manuel Loff
José Saramago nasceu, por coincidência, um mês depois de Mussolini subir ao poder. A coincidência faria com que os seus anos de adolescência e juventude fossem marcados pelas guerras que o fascismo provocou – antes de fazer 13 anos, a invasão da Etiópia pelas tropas italianas (1935-36), seguida daquela que tanto impressionará Saramago e toda a geração de homens e mulheres que, em grande medida por causa dela, se fizeram antifascistas: a Guerra de Espanha (1936-39); ainda não tinha feito 17 anos e começaria a pior, a mais terrível, a que se supunha ter sido definitiva de entre todas: a II Guerra Mundial (1939-45). Na sua geração não houve forma de se não tomar posição perante o fascismo. O que começou com Mussolini em Itália, o que levou Salazar ao poder em Portugal, o que fez com que Hitler arrasasse com a Europa e o Norte de África e levasse à morte de 60 milhões de pessoas.
Em 1984, em plena maturidade intelectual, humana e literária, Saramago transformou o ano de 1936 no objeto central de um dos seus livros mais importantes. Apropriando-se de um dos heterónimos de Fernando Pessoa, o ano do desencadeamento da guerra de Espanha e o da fascização decisiva da ditadura salazarista tornava-se O ano da morte de Ricardo Reis. Saramago desenhou Reis como um conservador que observava mais do que se comprometia com a realidade, e que “deve ter sido o último habitante de Lisboa a saber que se dera um golpe militar em Espanha”. Estava-se a 18 de julho de 1936 e “acontecera o que se devia ter previsto. O exército espanhol, guardião das virtudes da raça e da tradição, ia falar com a voz das suas armas, expulsaria os vendilhões do templo, restauraria o altar da pátria, restituiria à Espanha a imorredoura grandeza”. Quando pergunta a Lídia, a criada de hotel com quem se envolvera, o que achava ela do que se estava a passar, Reis não gosta da resposta. “Que os militares não ganharão porque vão ter todo o povo contra eles” – “Quem é que te ensinou a dizer estas coisas?”, pergunta-lhe. O meu irmão, responde-lhe ela, que é marinheiro. Envolvido semanas depois na revolta da Organização Revolucionária da Armada (com o desenlace da qual Saramago encerra o romance), o irmão só não fará parte da lista dos presos enviados para o Tarrafal, para construir o próprio a sua própria prisão porque foi morto.
Para Ricardo Reis, como para todas as direitas do tempo, “a regeneração da Europa caminha a passos de gigante, primeiro foi a Itália, depois Portugal, a seguir a Alemanha, agora a Espanha”. Era o que parecia. Era o que se agigantava. O fascismo devoraria a Espanha, aldeia por aldeia, cidade por cidade, nos três anos seguintes. Teve sempre, contudo, quem contra ele resistisse – em Espanha, em Portugal, em todo o lado.
A terrível ironia é perceber hoje, um século depois, quase 80 anos depois da sua derrota em 1945, como é no ano do centenário (do nascimento, tanto de Saramago como do fascismo) que ele mais avança. E como, uma vez mais, é de novo necessário organizar a resistência contra ele.