O processo de descentralização de que o país precisa deveria ter como elemento central a regionalização, associando à transferência de competências os meios financeiros e a dimensão política correspondente, com um poder regional devidamente eleito e com as competências necessárias.
A opção assumida pelo governo é uma fuga ao caminho de que o país precisa, que obedece a uma lógica de repartição de poder entre PS e PSD, carece de legitimidade democrática e da autoridade que daí advém.
Mas, acima de tudo, este processo é feito numa lógica de transferência de encargos e responsabilidades, sem a correspondente compensação financeira, fazendo com que tendam a acentuar-se problemas, desigualdades, assimetrias e injustiças no território.
Na reunião com a CCDR-Norte o PCP afirmou esta posição distinta do caminho seguido, apontando problemas em concreto que tem vindo a recensear ao longo do processo da chamada transferência de competências.
Problemas que se reflectem desde logo na concepção de todo este processo, onde não há uma opção pelo não envolvimento dos trabalhadores fazendo com que, para lá de toda a apreensão legítima com as alterações, tenhamos trabalhadores que não sabem bem quais as funções a exercer ou o local onde vão prestar serviço.
A carência de trabalhadores ou o futuro de muitos dos que exercem funções não está devidamente acautelada. Veja-se a situação de 17 que faziam limpeza no Centro de Saúde de Penafiel e que foram despedidos na sequência da transferência de competências. Veja-se igualmente a luta que os trabalhadores do Agrupamento de Escolas Santa Bárbara, em Fânzeres, Gondomar, fizeram no passado mês de Março para exigir a contratação de mais funcionários.
Em alguns sectores, como a Agricultura, onde há bastante tempo vinha sendo desenvolvido um processo de desmantelamento, privatização e encerramento de serviços e valências, consolida-se agora o rumo designadamente nas áreas da formação profissional, da extensão rural, dos laboratórios, dos projectos de investimento ou da atribuição de subsídios.
A situação é de tal forma grave que, pelo que nos foi relatado, há falta de capacidade para fiscalizar apoios ao investimento, estimando-se que apenas sejam verificados 10% dos projectos; os serviços de veterinária ou de sanidade vegetal estão muito esvaziados, com consequências na capacidade de fiscalização veterinária ou fitossanitária.
Na área da Educação, são várias as situações de falta de relatórios das comissões de acompanhamento (ou porque estas comissões não existem, ou porque não se reúnem), sendo de realçar práticas desadequadas na contração de assistentes operacionais (auxiliares de acção educativa), como o recurso às disponibilidades nos centros de emprego e até a empresas de trabalho temporário, sem atender às exigências do trabalho com crianças e jovens, incluindo com necessidades educativas específicas, e em regime de trabalho precário que não aposta nem na formação/qualificação, nem na carreira profissional.
Apesar de evoluções, os problemas nas instalações e a necessidade de obras continua a marcar a realidade de muitas escolas, com obras urgentes, por exemplo, dependentes da capacidade orçamental dos municípios ou mesmo das prioridades de investimento de cada câmara municipal.
Na Saúde, a transferência de competências é feita em paralelo com outras opções estruturantes no sector, como a criação de ULS, fugindo à resolução de problemas de fundo ao nível da falta de profissionais, da reabertura de serviços e valências encerrados (como muitos SASU cujo funcionamento permitiria descongestionar os serviços de urgência hospitalares) ou mesmo de investimentos nas infraestruturas e equipamentos.
O rumo assumido continua a privilegiar a canalização de recursos públicos para privados. Exemplo maior pode ser observado na ULS do Tâmega e Sousa onde o não aproveitamento integral das potencialidades do Hospital de Amarante leva à contratualização com privados em valores que ascendem a 15 milhões de euros por ano.
Ao nível da Acção Social, com o agravamento da situação social e previsível pressão sobre as autarquias, tenderá a evidenciar-se ainda mais, em muitos municípios, a falta de recursos para responder ao acompanhamento e necessário apoio social aos mais desfavorecidos, assim como a acentuar-se a desigualdade territorial em matéria de políticas locais.
Na área da Cultura, a transferência de responsabilidades é feita em sentido contrário ao do necessário Serviço Público de Cultura. Importantes instituições da região recebem avultados investimentos (na Casa da Música e em Serralves a principal fonte de financiamento é pública), mas continuam com uma gestão privada e sem a necessária preocupação de serviço público.
Na área da Mobilidade, aguardam-se respostas que permitam resolver alguns dos mais significativos problemas da região – como é o caso do congestionamento crónico e da sinistralidade elevada na VCI, do efectivo desenvolvimento da rede do Metro do Porto, da resposta integrada do transporte rodoviário de passageiros na Área MetropOlitana do Porto e comunidades intermunicipais adjacentes que as concessões sob a marca UNIR não resolveram, bem como do restabelecimento do serviço de passageiros nas linhas ferroviários entre Leixões e Matosinhos e Contumil/Campanhã. Por outro lado, persistem ainda dúvidas quanto ao futuro de equipamentos como a Ponte Dona Maria.
O PCP considera que o desenvolvimento regional e a coesão do território necessitam de outras políticas
O desenvolvimento da região exige um leque amplo de políticas integradas e dinamizadas por um poder regional decorrente da regionalização e pelas autarquias locais, dotadas de autonomia administrativa e financeira; políticas económicas que possam romper com a lógica única de mercado na afectação e localização de recursos materiais e meios humanos; uma política assente na valorização dos recursos endógenos; uma política agrícola e florestal que privilegie a exploração familiar e produções que garantam a ocupação humana do território e salvaguardem os solos agrícolas e a biodiversidade; uma reindustrialização voltada para a valorização da transformação industrial das matérias-primas da região; e redes de distribuição que preservem e intensifiquem os fluxos regionais e assegurem os preços justos à produção.
São necessárias políticas viradas para a actividade produtiva com criação de emprego estável, onde se poderão ancorar e ampliar, de forma sustentável, outras actividades, nomeadamente o turismo e outros serviços e defender o mundo rural. Simultaneamente, devem manter-se e desenvolver-se as redes de infraestruturas, equipamentos e serviços públicos e de estruturas locais e regionais das empresas estratégicas de energia, telecomunicações, transportes e financeiras.
O que se exige é a reversão do processo de transferência de encargos para as autarquias locais, a criação das Regiões Administrativas, a instituição das Áreas Metropolitanas enquanto autarquias dotadas de meios e competências próprias e poderes efectivos e a consequente extinção das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, e a reposição dos serviços regionais integrados nestas.
Porto, 1 de Abril de 2024