Economia
Sobre os apoios à JP Sá Couto
O financiamento das três operadoras de comunicações aos programas e-Escolas e e-Escolinhas decorre, como se sabe, das contrapartidas negociadas para as licenças de comunicação móvel de terceira geração. Recentemente, começou a ser levantada alguma da opacidade em torno desta operação, quando se percebeu que a FCM - Fundação para as Comunicações Móveis, (constituída pela TMN, pela Vodafone e pela Sonaecom), recebera da ANACOM 36,5 milhões de euros, verba superior à que as três operadoras tinham entregue, (25 milhões de euros), e que supostamente terá saldado as obrigações decorrentes do licenciamento das comunicações móveis de terceira geração.
Neste aspecto, está quase tudo ainda por conhecer, designadamente a origem da totalidade das verbas que irão subsidiar os Programas e-Escolas e e-Escolinhas (computador Magalhães), para fazer face à diferença entre os preços pagos a fornecedores e os preços cobrados aos destinatários finais. A ausência de respostas faz crer que a FCM seja (ou possa vir a ser) a plataforma através da qual o Governo pagará às operadoras o financiamento destes programas acima dos 390 milhões de euros que vêem sendo referidos como sendo a verba total que as operadoras estariam obrigadas a aplicar naqueles Programas como contrapartidas ao negócio das UMTS.
Quanto à contratação e à produção dos computadores Magalhães (Programa e-Escolinhas), que constitui uma das principais apostas mediático-propagandística desta Legislatura, já muito se disse e se sabe.
Já se sabia, por exemplo, que o contrato estabelecido entre o Estado e as três operadoras de comunicação móveis do País prevê um conjunto de critérios e requisitos feitos à medida, só passíveis de serem respondidos de forma atempada e suficiente pelo aparelho previamente concebido e desenvolvido em mais de trinta países pela Intel (o modelo Classmate), e já antes adaptado aos objectivos específicos pela JP Sá Couto e pela Prológica (tipo de software, teclado em português, características de robustez).
Já se sabia que, com este contrato tipo monopólio, a JPSá Couto se transformou numa espécie de empresa dilecta para o Governo de José Sócrates, que aliás se especializou em acções de marketing e agente de vendas empresarial.
Como consequência directa deste contrato em regime monopolista, a JP Sá Couto registou uma subida de 3300% nas vendas do primeiro trimestre de 2009, relativamente ao trimestre homólogo de 2008, atingiu uma posição de liderança na venda de computadores a nível nacional, (cerca de 41% este ano, partindo de uma posição de 3,5% em 2007), obteve receitas rondando os 130 milhões de euros, em 2008, e tem receitas de 450 milhões de euros previstas para o corrente ano de 2009.
Os apoios à empresa JPSá Couto não se têm limitado a este tipo de contrato em regime monopolista. Sabe-se também que a Câmara Municipal de Matosinhos, do Partido Socialista, contratou um empréstimo de 5 milhões de euros, no fundamental para comprar um terreno de mais de vinte mil metros quadrados que cedeu por um período superior a duas décadas à JPSá Couto com o objectivo de aumentar a “capacidade instalada e promover o emprego”.
Só que, não obstante todos estes apoios oficiais, a empresa JPSá Couto está longe de cumprir de forma satisfatória o que dela se poderia e deveria esperar, designadamente por ser uma espécie de empresa de bandeira do Governo, da Câmara Municipal de Matosinhos e, ao que parece, do próprio Partido Socialista. Na realidade, a JPSá Couto nem garante emprego, nem o emprego que promove tem qualquer qualidade ou natureza estável. Assim:
1.A empresa JPSá Couto promoveu o recente encerramento (Março de 2009) de uma empresa – a Micromáquinas, estabelecida no Parque Empresarial Lionesa, em Leça do Balio, Matosinhos. Foram despedidos os seus trinta e sete trabalhadores (vinte e cinco com contrato sem termo, doze com contrato a termo), tal como consta de uma resposta dada pelo Ministério do Trabalho no início do mês de Julho a uma pergunta (2548/X/4.ª) que lhe tinha sido dirigida pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Importa naturalmente esclarecer que a Micromáquinas era uma empresa com capital social maioritariamente detido há já algum tempo pela empresa JPSá Couto, tratando-se, por coincidência, de uma empresa concorrente na área da construção de equipamentos de informática (PC Mic) e das tecnologias de informação.
Ao que parece, a JPSá Couto absorveu a Micromáquinas para a extinguir, extinguir trinta e sete postos de trabalho, fazendo desaparecer um concorrente.
2.1. Dos cerca de trezentos trabalhadores da JP Sá Couto, cerca de 160 estão afectos à produção e montagem do computador Magalhães. Sucede, porém, que cerca de 95% dos trabalhadores afectos à linha de montagem do “Magalhães” são trabalhadores recrutados a empresas de trabalho temporário.
Isto é, cerca de 155 dos trabalhadores que produzem e montam o computador Magalhães são completamente precários e foram recrutados com a exigência de habilitações literárias mínimas de 12.º ano.
2.2. Pior ainda: todos estes trabalhadores estão a receber salários de 465 euros mensais quando o contrato colectivo dos trabalhadores das indústrias eléctricas prevê, desde 1 de Abril de 2008, um vencimento de 566 euros mensais para a categoria profissional mais baixa (operador especializado de 3.ª, servente).
Ao que pudemos apurar, a Administração da JP Sá Couto reconhece que não está a pagar segundo o contrato colectivo de trabalho das indústrias eléctricas, mas antes de acordo com o contrato dos trabalhadores do comércio, que prevê níveis salariais inferiores.
2.3. Não obstante este já pouco edificante “panorama social”, a Administração da JP Sá Couto consegue “ultrapassar-se a si própria”. Depois de recentemente ter detectado um trabalhador sindicalizado no Sindicato dos Trabalhadores das Indústria Eléctricas do Norte, a JP Sá Couto rescindiu imediatamente o contrato com o citado trabalhador, dispensando-o mesmo de comparecer no local de trabalho até ao termo do período normal do seu contrato, o que só ocorreria no final deste mês de Agosto.
Sucede, por outro lado, que a JP Sá Couto está já neste momento a montar computadores Magalhães para fornecer à Venezuela e que há boas perspectivas da empresa começar em breve a fornecer idêntico equipamento para países como Angola, Cabo Verde, Líbia e Rússia.
Não é aceitável que esta empresa, apoiada pelo Governo e pelo Poder Local de forma única e absolutamente privilegiada, que é referência recorrentemente citada como exemplo empresarial pelo Governo, em especial pelo Primeiro-Ministro, seja um tão mau exemplo nas condições laborais e remuneratórias que oferece aos seus trabalhadores.
Não é aceitável que a JPSá Couto, que mantém um contrato em regime de monopólio com o Governo, que se prepara para receber de mão beijada um vasto terreno municipal de mais de vinte mil metros quadrados, que tem perspectivas únicas de produção para a exportação, que conta com José Sócrates como um dos seus principais agentes de marketing, tenha um comportamento tão inaceitável e indigno nas relações com os seus trabalhadores.
A JP Sá Couto incorre em ilegalidades ao pagar aos seus trabalhadores abaixo dos valores estabelecidos no contrato colectivo dos trabalhadores das indústrias eléctricas.
A JP Sá Couto mantém pelo menos 155 trabalhadores na mais aviltante e injustificada precariedade, a tal que José Sócrates se diz empenhado em combater.
A JP Sá Couto parece entrar pela mais pura e inaceitável discriminação sindical, perseguindo e despedindo trabalhadores sindicalizados numa afronta inqualificável aos direitos individuais e sindicais dos trabalhadores tão duramente conquistados em Abril de 1974 e consagrados na Constituição.
Perante este quadro, não resta ao Primeiro-Ministro, nem ao Ministro do Trabalho e Solidariedade Social outra solução que não seja impor que na JP Sá Couto seja reposta a legalidade e seja reposta a liberdade sindical.
É imperioso que o Primeiro-Ministro e/ou o Ministro do Trabalho ordenem com urgência uma fiscalização completa e rigorosa da Autoridade para as Condições de Trabalho, que investigue o que na realidade se passa na JP Sá Couto, obrigando a administração da empresa a acabar ou reduzir de forma drástica a precariedade laboral existente, impondo o pagamento de salários de acordo com o contrato colectivo de trabalho aplicável aos trabalhadores, e accionando os mecanismos legais necessários para que não voltem a ser perseguidos e despedidos trabalhadores sindicalizados.
Porto, 3 de Agosto de 2009
Presenças na Conferência de Imprensa de:
Honório Novo, deputado do PCP na Assembleia da República, Vereador na Câmara Municipal de Matosinhos e 1.º candidato à CM Matosinhos, José Pedro Rodrigues, membro da Assembleia Municipal do Matosinhos e 1.ª candidato ao mesmo órgão.