A Direcção da Organização Regional do Porto assinalou no passado dia 18, em sessão evocativa no Centro de Trabalho da Boavista, o centenário do nascimento de Eugénio de Andrade, Poeta fundamental da expressão literária do Portugal contemporâneo.
Numa sessão que contou com a declamação de José Caldas Neto e as intervenções dos escritores Manuela Espírito Santo e José António Gomes, este último igualmente membro da direcção do Sector Intelectual do Porto do PCP, foi abordado o percurso de vida do «poeta solar», e evocado o cidadão empenhado e atento à realidade do seu povo e do seu tempo, ao mundo e à paz, ao Portugal de Abril e à liberdade.
Dois dias antes, no dia 16, por proposta da vereadora comunista Ilda Figueiredo, a Câmara Municipal do Porto aprovou por unanimidade uma saudação sobre o centenário do nascimento de Eugénio de Andrade que de seguida transcrevemos:
“Eugénio de Andrade – cujo centenário do nascimento se pretende assinalar com esta proposta de voto, dando assim acrescido relevo público à obra do Poeta – nasceu em 1923, na localidade de Póvoa da Atalaia, concelho do Fundão. Mas não há dúvidas de que fez do Porto a sua cidade de adoção, enobrecendo-a pelo afeto e admiração que devotou aos lugares, aos seus artistas, às suas gentes. Deu corpo a esses sentimentos em alguns dos mais belos poemas, textos em prosa e antologias temáticas que nos legou, e cuja leitura e releitura importa promover, em bibliotecas, em instituições de ensino e noutros espaços.
“Cidade das pontes” chamou ao Porto, no seu livro ‘Memória doutro Rio’, de 1978. Uma cidade que cantou em poemas sobre o Douro e a Ribeira, sobre a Rua Duque de Palmela e a Rua de S. Vítor, o Jardim de S. Lázaro, o Passeio Alegre e o mar da Foz… Uma cidade sobre a qual organizou a mais bela antologia temática de textos literários, escritos por diferentes autores, que muitos leram: ‘Daqui Houve Nome Portugal’, de 1968, obra que tem conhecido sucessivas reedições. Uma cidade que descreveu em prosas de andarilho, intensas e tocantes, incluídas em obras como ‘Os Afluentes do Silêncio’ (1968) e ‘A Cidade de Garrett’, captando, como poucos fizeram, o ‘espírito do luga’r e outros elementos nucleares daquilo a que alguns gostam de chamar a identidade portuense.
Mas esse homem, de seu nome de batismo José Fontinhas, que adotou como pseudónimo Eugénio de Andrade – e que nunca enjeitou, bem pelo contrário, as suas humildes raízes camponesas – foi, principalmente, nos seus versos, um poeta da liberdade e um intransigente paladino da paz. A liberdade de amar, sem preconceitos, peias ou censuras; a liberdade de defender a dignidade humana, os direitos de homens, mulheres e crianças; a liberdade de imaginar e de criar. E, naturalmente, a liberdade de resistir a ditaduras e à opressão, como a do regime fascista de Salazar e Caetano; a liberdade de cantar a própria liberdade e os anseios de justiça.
E por isso encontramos, na sua obra, poemas escritos à memória de diversos resistentes – como o artista plástico e militante comunista José Dias Coelho (assassinado pela PIDE numa Rua de Lisboa, em 19 de Dezembro de 1961) e a camponesa alentejana Catarina Eufémia (varada pelas balas da GNR em 19 de Fevereiro de 1954) –, tal como descobrimos textos sobre grandes criadores perseguidos pela ditadura salazarista-marcelista (Fernando Lopes-Graça, Jorge de Sena), e ainda sobre vítimas do fascismo, como o poeta espanhol Vicente Alexandre, o ativista brasileiro Chico Mendes ou Ernesto Che Guevara. Do mesmo modo, vemos Eugénio sinalizando o relevante papel histórico da Revolução de Abril e de quem nela se empenhou. E ninguém estranhará que o tenhamos visto, amiúde, do lado da causa da paz, como no poema ‘Ao Miguel, no seu 4.º aniversário e contra o nuclear’ ou na ‘Canção da mãe de um soldado de partida para a Bósnia’, ou ainda a posicionar-se contra os bombardeamentos na antiga Jugoslávia.
Os leitores sabem bem que, sem deixar de ser uma poesia do fluir temporal e do desgaste por este provocado no ser humano, a escrita de Eugénio de Andrade foi, talvez mais, uma escrita sobre ‘a matéria solar’ (título de um dos seus livros, de 1980), uma escrita da terra e da luz do verão, do corpo, do desejo e do esplendor do mundo. E, também por isso, os poemas do autor de ‘As Mãos e os Frutos’ (1948), o seu primeiro grande livro, e de ‘Obscuro Domínio’ (1972) se tornaram, para muita gente enfrentando experiências dolorosas, uma espécie de matéria salvífica.
Por todos estes motivos aqui homenageamos este grande Poeta português, este ilustre tradutor (de Safo, das ‘Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado’, de Lorca e de vários poetas contemporâneos), este autor de inesquecíveis prosas sobre o Porto e outros cenários, este escritor de singulares livros para a infância (como o já ‘clássico’ contemporâneo ‘Aquela Nuvem e Outras’, de 1986), este sofisticado organizador de antologias, que exibem o timbre do seu saber literário, do seu bom-gosto e da sua rara sensibilidade.
Assim, a Câmara Municipal do Porto, reunida no dia 16 de janeiro de 2023 decide a aprovação de um voto de congratulação por, 100 anos depois do seu nascimento, o país e em especial os portuenses poderem prestar a Eugénio de Andrade o tributo que merece.”