Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Sessão Pública de homenagem a Óscar Lopes
13 Outubro 2007, Porto
Permitam-me que, neste quadro de “homenagem nos 90 anos de Óscar Lopes repartida por vários lugares do Porto e Matosinhos”, saúde com apreço o empenhamento da Cooperativa Árvore e da sua Direcção e a sua contribuição para o êxito desta dignificante iniciativa.
Reconheça-se a dificuldade no construir e dizer desta intervenção que visa homenagear um homem integral, num quadro em que quase todas as palavras certas já foram ditas por quem com ele privou, aprendeu e cultivou amizades.
A sua dimensão de professor, mestre, do protagonismo na intervenção cultural, o autor, investigador ensaísta, historiador e linguista, por si só não é comportável nem acomodável nos limites de um discurso. E muito menos o é se quisermos expressar a sua dimensão cívica e política, as suas opções ideológicas. Talvez por razões de origem, tenho uma profunda admiração por todos aqueles e aquelas intelectuais que foram capazes, ao arrepio da ordem natural das coisas estabelecidas, ter não só solidariedade e simpatia por causas sociais, mas assumirem – como Óscar Lopes assumiu – as causas e o projecto de transformação social e de emancipação do ser humano.
E assumi-lo em tempos difíceis quando numa época histórica se espalhava o manto de sombras em Portugal e na Europa onde tudo o que era avanço civilizacional estava em causa.
Não deixa de ter significado a influência e o impacto que teve na consciência social do então jovem estudante o testemunho da vida e da miséria dos pescadores de Matosinhos e das suas famílias e do dramático confronto com a pobreza extrema, a mendicidade e a mortalidade infantil, consciência social em evolução face a uma série de acontecimentos históricos como o falhanço das formas de liberalismo económico e político, mais económico que político, decorrente da crise mundial em 1929 e posteriormente o arrasador avanço do fascismo na Europa e o tremendo efeito da derrota das forças democráticas em Espanha. A avaliação de quem resistia e lutava no plano nacional e internacional levou Óscar Lopes a tomar opções políticas e ideológicas integrando as fileiras do Partido Comunista Português. Poder-se-á dizer-se que seria restritivo fazer o enfoque desta opção e dimensão do camarada Óscar Lopes, do homem integral que aqui homenageamos!
Os domínios do saber ímpar em toda a actividade ensaística, literária, cultural, a sua capacidade científica na linguagem e ensino da língua, onde reflectia a teoria marxista e a sua concepção da luta de classes como motor da história, não dispensou antes convocou outros contributos científicos e metodológicos vindos de diversas áreas de saber em particular nos domínios da historiografia e da crítica literária.
Mas nesta visão ampla do intelectual, do cientista não se pode emparcelar ou muito menos ensombrar o carácter marcante das suas opções ideológicas e consequentemente a sua acção como comunista e revolucionário.
O que poderia ter sido um vida sem sobressaltos transformou-se num percurso fascinante, mas por vezes doloroso já que o fascismo nunca lhe perdoou as opções políticas, a sua coragem, a sua firmeza e resistência. Não lhe perdoou (a ele e a outros intelectuais) usar os seus saberes e prestígio como uma arma carregada de futuro e contribuição emancipadora para que um dia a liberdade e a democracia fosse conquistadas.
Na dinamização cultural e cívica desta cidade, particularmente entre os anos 50 e 70, nas suas palestras e intervenções, na co-organização de eventos culturais vigiados e reprimidos pela polícia política, nas presidenciais de 1951 com a candidatura de Rui Luis Gomes e nas legislativas de 53, Óscar Lopes marcou presença e participação.
E é neste quadro de acção, em anos em que a luta se agudizou, que Óscar Lopes é demitido do seu lugar de professor e encarcerado durante um ano. Tocante foi a acção dos jovens estudantes que elaborando uma exposição a enviaram ao tribunal encarregado do julgamento. Como recordava o Avante! em 1956 “belo exemplo dos jovens estudantes que após 30 anos de obscurantismo não se deixam enganar e sabem valentemente alinhar ao lado do mestre amigo que defende a Paz e quer um Portugal livre, pacífico e independente”.
Apesar de absolvido, as forças repressivas, proibiram-no até de usar o nome em artigos de sua autoria. Readmitido em 1957, continua a sofrer tremendas pressões das autoridades educativas, impedindo-o de leccionar Literatura, História e Filosofia. É impedido de sair do país para não apresentar os seus trabalhos de investigação e proibido de participar em júris internacionais de literatura para os quais era convidado.
O fascismo, na sua obstinação mais do que a sua inteligência, receava as suas opções. Quando tudo parecia convidá-lo a desanimar e a desistir da sua luta, ele prosseguiu tendo sempre a seu lado Maria Helena, companheira de toda a vida.
Na campanha de Humberto Delgado, integrando a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, e na Comissão Nacional do II Congresso de Oposição Democrática de Aveiro em 1972, esteve sempre na primeira linha de combate pela democracia.
E, quando Abril aconteceu, quando a democracia resgatou e colocou Óscar Lopes no quadro de honra dos homens que lutaram uma vida toda pela liberdade, pela justiça social, pela cultura, pela paz, passou de resistente a construtor, dando o seu melhor para salvaguardar a dignidade da instituição universitária, terminando a sua carreira docente como Vice-Reitor da Universidade do Porto e recebendo, entre outras homenagens, o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade Clássica de Lisboa.
Continuou como militante do Partido integrando o seu Comité Central em 1976.
Álvaro Cunhal, numa síntese admirável, afirmou:
“Porque está ante nós um homem que, tendo ao longo dos anos ensinado tanto, teve a superior virtude dos que muito sabem: não só ensinar mas aprender. Com o estudo, com a vida, com a experiência. Inserindo desde jovem a sua (…) sua acção como cidadão, na vida e na luta dos trabalhadores, do povo, da heróica resistência antifascista, do colectivo dos seus camaradas e do seu Partido.
Assim na luta pela liberdade (…). Assim na revolução de Abril. Assim na instauração, na institucionalização e na defesa da democracia até aos dias de hoje. Procurando respostas novas para os novos fenómenos e situações. Certificando dia-a-dia a opção política de há mais de meio século e a sua convicção comunista sempre confirmada e afirmada com a simplicidade e a coragem de um homem senhor dos seus direitos e da vontade própria.
E toda essa vida notável, em si mesma, se torna ainda mais notável porque Óscar Lopes a soube e sabe viver com a serenidade e a simplicidade que dão a sabedoria e a modéstia”.
Passados 11 anos desta declaração, Álvaro Cunhal se estivesse entre nós reafirmaria o que disse então.
Eis uma forma excelente de terminar esta intervenção.
Mas, ainda assim, talvez por razões de origem e de opção política e ideológica, uma palavra final que reflecte um sentir imenso de admiração e gratidão. A comunidade científica e intelectual deve muito a Óscar Lopes. Mais lhe devem os trabalhadores e o povo, tal como o seu Partido de sempre.