Estou certo de que nenhuma das pessoas presentes terá dúvidas de que nos encontramos a viver e a intervir em momentos decisivos da história do povo português.
No nosso país, o fascismo realizara uma das maiores concentrações que se conhecem do capital proporcionalmente ao volume da produção económica e proporcionalmente ao desenvolvimento técnico das forças produtivas. Por outras palavras: o fascismo, como ditadura que sempre é da fracção mais exploradora do capitalismo monopolista e latifundiário, como forma supremamente repressiva que sempre é do capitalismo monopolista de Estado, fomentara, no nosso país, um sistema de relações de produção que se antecipava ao nível das forças produtivas existentes, acabando por inserir-se intimamente no sistema impreialista das multinacionais sem pátria à custa de uma super-exploração do povo português, privado de direitos sindicais e políticos, e duma super-exploração dos povos coloniais a que o nosso povo foi obrigado a servir de instrumento. Mais de metade do capital encontrava-se nas mãos de 150 empresas, controladas por meia dúzia de grandes grupos monopolistas; mais de metade da terra arável encontrava-se e encontra-se ainda neste momento, nas mãos de 1,2% dos proprietários rurais. Nestas condições, a nacionalização já decretada da banca e dos seguros; a nacionalização ontem decidida em Conselhos de Ministros dos sectores-chave dos transportes e comunicações, da produção e distribuição fundamental dos recursos energéticos, do essencial das indústrias extractivas e transformadoras dos metais, do essencial das indústrias de tecnologia quimica e outras; as medidas também ontem anunciadas, no sentido de uma reforma agrária a favor dos assalariados rurais e dos pequenos e médios camponeses – tudo isto representa um grande avanço no programa de revolução democrática e de efectiva independência nacional tal como o PCP o formulou em 1965 em oito pontos, e tal como o nosso Partido o actualizou na Plataforma aprovada, em 20 de Outubro de 1974, por ocasião do seu VII Congresso, extraordinariamente convocado para sua apreciação.
Este grande avanço culmina, por agora, numa longa e árdua luta em que, durante quase meio século da mais rigorosa e penosa clandestinidade, o PCP, precisamente porque é o partido do proletariado, partido da classe social mais explorada e, portanto, da vocação mais consequentemente revolucionária, se converteu na maior força aglutinadora da resistência antifascista e dos combates anti-monopolistas e anti-latifundiários a tal ponto que, antes do 25 de Abril, quando se dizia “o Partido” toda a gente sabia que “o Partido”, por excelência, apenas podia ser o Partido Comunista Português. Mas, devido a essa implantação proletária uma das feições mais características do trabalho do nosso Partido é de reconhecer-se sempre, e essencialmente, como vanguarda do movimento de massas de todos os trabalhadores explorados, movimento por forma alguma pode reduzir-se aos quadros e aderentes de um partido, qualquer ele seja; e dessa característica massiva e unificadora resulta a capacidade de, a cada momento histórico, discernir com a maior clareza qual o inimigo a combater frontalmente, e quais as forças sociais e políticas cuja aliança é preciso conciliar para derrotar esse inimigo e avançar num processo democrático conducente ao socialismo. Por isso, o PCP consagrou sempre muitas das suas melhores energias ao estabelecimento de plataformas de unidade democrática que enraizassem extensas camadas populacionais e as dinamizassem e as levassem a organizar-se para melhor consciência de objectivos e melhor eficácia de luta.
Depois do êxito do MFA, o PCP, tendo em vista as circunstâncias que determinaram esse movimento militar, as feições especiais do seu desenvolvimento e as suas potencialidades progressivas, reconheceu imediatamente tratar-se de uma oportunidade sem precedentes na história aliás diversificada, das revoluções democráticas modernas, e tudo tem feito pela coesão entre as massas trabalhadoras e o MFA, assim como pela coesão interna entre todos os trabalhadores, e pela coesão entre os partidos ou organizações colectivas de carácter realmente democrático. É certo que outros partidos, mesmo dentro da coligação governamental, dominados pela preocupação de afirmar a sua existência recente e de criar a sua clientela no espaço de liberdade finalmente conquistado, se afastaram desta tríplice linha de unitarismo, e, pior ainda, se obstinaram em não reconhecer nos monopólios, nos latifundiários e nas posições remanescentes e não saneadas do Estado fascista, o principal inimigo da democracia em processo; mas os factos vieram confirmar as advertências e a linha de comportamento do PCP e dos seus aliados mais consequentes. A unicidade sindical prevaleceu contra os que se empenharam em defender um divisionismo que, sobretudo nas circunstâncias portuguesas representaria o enfraquecimento dos trabalhadores perante um patronato coordenado por poderosos centros de decisão nacional e internacional. E, depois do golpe de 11 de Março, jugulado pela actuação convergente dos militares democratas e da população trabalhadora mobilizada a instâncias do PCP, os principais partidos acabaram por alinhar com o PCP na aceitação explícita, quer da presença política do MFA, braço armado da revolução democrática na execução de um programa de transição para o socialismo, quer de um pacto de fidelidade a esse mesmo programa de transição. Poderá estranhar-se que partidos professamente anti-socialistas, como o CDS e o PPD, tenham assinado um pacto proposto por um Conselho da Revolução que se declara o garante militar dessa transição para o socialismo. E, naturalmente, muitos se lembrarão, a propósito, daquele dito de um moralista segundo o qual a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude. Mas o critério decisivo a respeito de essa ou qualquer outra profissão de fidelidade ao socialismo será o da prática.
Ora para já, e firmando-nos nesse critério da prática política real, parece-nos pelo menos estranho que, nesta campanha eleitoral para uma Assembleia Constituinte condicionada a um pacto de acatamento pelas conquistas políticas e sociais já alcançadas e programadas, nesta altura em que as nacionalizações dos sectores-chave e a distribuição dos latifúndios a quem os trabalha dá ainda os seus primeiros passos de efectivação, nesta altura em que toda a propaganda do imperialismo e dos seus aliados ou gestionários social-democratas da Europa se empenha em desacreditar e tropedear uma revolução democrática, mas ainda não materialmente em fase socialista, certos partidos se empenhem, não em conjurar ameaças internas reais e em desmistificar a campanha dos seus pressurosos apoios externos, mas em apontar nervosamente para o espantalho dos perigos de um pretenso capitalismo de Estado subsequente às nacionalizações. Qualquer forma de capitalismo, incluindo o capitalismo de Estado, implica a existência de um mercado generalizado de força de trabalho, implica um excedente de oferta de trabalhadores desempregados, e disso é que resulta a sujeição dos trabalhadores sem capital, a exploração da mais valia produzida pelo seu trabalho mal pago, e a reprodução ampliada do mesmo capital. O que quer dizer que, precisamente, a social-democracia constitui uma das formas actuais mais típicas de um autêntico capitalismo de Estado. Pelo contrário, a revolução democrática e nacional encaminhada ao socialismo tende à participação e ao controlo de todos os trabalhadores numa economia progressivamente planeada de acordo com as suas necessidades e aspirações conscientes, uma participação e controlo em que, como Lénine disse numa fórmula lapidar, os trabalhadores se sintam, ao mesmo tempo, donos das empresas onde trabalham e representantes, dentro dessas mesmas empresas, dos interesses de todo o país. Se os trabalhadores, embalados pela sereia da autogestão radical e permanente, se interessarem apenas pelo funcionamento competitivo da sua empresas e por benefícios salariais ou outros de ordem meramente, ou predominantemente, sectorial, em vez de, através das suas organizações políticas e sindicais, encararem a sua participação sectorial no quadro de uma participação mais determinante a nível das grandes decisões de planeamento nacional, então, sim, então a primazia das leis do mercado sobre os imperativos do desenvolvimento geral conjugado, tendencialmente socialista, significará que o capitalismo se mantém com todas as suas essenciais contradições, com as suas crises, as suas alienações, a sua reserva de desemprego necessário, etc...
É neste enquadramento que temos de encarar desde já o início de uma revolução cultural em que os trabalhadores se sintam desde já responsáveis, quer por uma vigilância política geral, quer pelo controlo de todo o sector privado da economia no sentido de detectar e neutralizar todas as formas de sabotagem paternal, quer, no sector nacionalizado da economia, no sentido de aumentar a sua produção e a sua produtividade, agindo não só como donos mas como representantes de toda a imensa maioria dos trabalhadores. Isto não cosntitui qualquer novidade para um verdadeiro marxista-leninista; esta antecipação da subjectividade socialista do proletariado em relação às próprias condições materiais do socialismo foi preconizada por Lenine em vários textos, sobretudo um datado de 10 a 14 de Setembro de 1917 (A Catástrofe que nos ameaça e como combatê-la, pags.245-283, Obras Escolhidas, Ed. Em espanhol, 2º volume), portanto escrito quase dois meses antes da revolução bolchevique. Nesse texto capital, Lénine preconiza a nacionalização da banca, dos seguros, dos sectores-chave monopolizados da economia, com respeito pelos interesses dos pequenos accionistas, com apoio à pequena e média empresa industrial, comercial e agrícola no sentido de aumentar a sua integração e rentabilidade ainda em moldes capitalistas, e faz apelo à participação e controlo operário nessa fase de revolução democrática e ainda não socialista, no sentido de conjurar uma catástrofe económica iminente, devida à simples inconsequência dos partidos pequeno-burgueses e relativamente a medidas em que, teoricamente, e até praticamente, deveriam estar interessados.
Ora bem: estas reflexões dizem também respeito aos actuais problemas do ensino em Portugal. Com efeito, os deputados do PCP à Assembleia Constituinte, bater-se-ão por algo que diz respeito a tais problemas e à revolução cultural de sentido consequentemente democrático e tendencialmente socialista. Eles bater-se-ão, não apenas por que a futura constituição consigne as liberdades fundamentais de expressão, associação, reunião, manifestação pública, actuação sindical incluindo os direitos à greve, etc., mas também preveja as condições materiais do respectivo exercício, proibindo, por exemplo, o controlo dos meos de infromação massiva por qualquer ressurgência do capital monopolista; bater-se-ão por direitos que só o socialismo virá a garantir inteiramente, como o direito ao trabalho correspondente às habilitações e garantido contra o desemprego; o direito à habitação decente, a custos suportáveis; o direito a todas as formas de assistência na infância, maternidade, velhice, doença, invalidez; e, finalmente, que é o que agora mais nos importa, o direito à realização das melhores vocações de cada qual, graças a um sistema educacional em que todos os graus e ramos de ensino se abram, quanto antes, a todos os trabalhadores e seus filhos.
Sabemos perfeitamente a terrível herança de que partimos: são cerca de 30% de analfabetos; é a total inexistência de qualquer educação pré-escolar oficial; são quase 30€ de crianças não servidas pela escolaridade obrigatória de 6 anos, e mesmo assim sujeitas a uma discriminação social entre classes de prolongamento do ensino primário, tele-escola e escolas preparatórias propriamente ditas; é o facto de apenas frequentarem cursos secundários 1/5 dos adolescentes em idade de o fazer, e mesmo esses sujeitos a uma discriminação entre liceus para a burguesia e escolas técnicas para outras classes; é um ensino superior a que apenas tem acesso 3% da população, dos quais 3% apenas 4% de origem realmente popular. E tudo isso com rendimentos escolares baixíssimos, que são, no fundo, o resultado de todo o conjunto de factores de discriminação económica e social.
Eu não vou, meus amigos, enumerar aquilo que, sob o ponto de vista do Ensino e da Cultura, se preconiza no Programa do Partido Comunista Português e se tem estado a discutir nas células de professores, da UEC e da UJC. Mas não há dúvida de que se impõem coisas como as seguintes: a necessidade de uma legislação que permita a trabalhadores a continuação de estudos, graças à diminuição do horário de trabalho sem perda de salários; o desenvolvimento, em todos os graus e ramos de ensino, de cursos vespertinos ou nocturnos, por correspondência, etc; a criação de cursos especiais de post-alfabetização, de preparação secundária acelerada e, a nível mais elevado; a criação de cursos de preparação para acesso directo de filhos de operários e camponeses a tipos novos de Ensino Superior.
No entanto, e para já, é preciso reconhecer que certas condições materiais para uma transformação radical do sistema escolar não estão imediatamente ao nosso alcance, e que a subjectividade revolucionária tem também aqui uma função precursora a exercer. Nós bem sabemos que a grande maioria dos estudantes da Universidade e mesmo dos Liceus não é de origem operária ou camponesa, e que isso explica alguns aspectos mais graves com que nos debatemos nestes sectores. No entanto, com o extraordinário impulso que a revolução democrática vai agora receber dos seus domínios económicos, é preciso sensibilizar a juventude escolar, tal como ela existe, para o papel que desde já lhe incumbe no processo efectivamente revolucionário, em vez de se entregar ao simples suicídio ritual da estrutura escolar burguesa, em dissolução anarquista real qualquer que seja o pretexto ideológico proclamado. É preciso que as escolas se reestruturem em moldes democráticos e tendencialmente socialistas; é preciso que se criem novos tipos de relação entre o estudo e o trabalho produtivo, novos tipos de relação entre estudantes e professores ou outros agentes do ensino e da cultura em geral; é preciso acabar com as discriminações sociais de classes; é preciso inserir toda a vida escolar num projecto nacional de desenvolvimento para todas as melhores potencialidades humanas. Mas, para isso, é necessário também, que estudantes e professores se sintam, não apenas donos da escola, mas responsáveis na escola perante todos os trabalhadores portugueses; é necessário que o trabalho escolar alcance um rendimento quantitativo que nunca teve, nem poderia ter senão em plena revolução democrática a caminho do socialismo.
Mais ainda: os estudantes e professores têm de responsabilizar-se, quer pelo rendimento das escolas, quer por toda uma revolução cultural extensiva àquela população laboriosa que custeia o seu funcionamento e que, até agora, nada ou quase nada tem beneficiado disso. Os estudantes e agentes do ensino devem participar em campanhas de serviço cívico de trabalho cultural, e até de outras formas de trabalho, nos sectores ou regiões onde isso seja necessário, tal como acontece em todos os países socialistas ou decididamente encaminhados ao socialismo. Aos jovens da UEC e aos professores comunistas cabem, naturalmente, as iniciativas de vanguarda mas tanto o rendimento das escolas a funcionar em moldes democráticos, como a participação em todas as formas de revolução cultural, têm de ganhar a amplidão de movimentos de massas e de inscrever-se no comportamento generalizado daqueles que ensinam e que estudam.
Viva a revolução democrática nas escolas!
Viva a revolução cultural democrática a caminho do socialismo!
Viva a unidade de todos os trabalhadores!
Viva a vanguarda de unidade e de todos os trabalhadores, o Partido Comunista Português!