Óscar Lopes, um mestre
O circunstancionalismo é característica fundamental da condição humana, pelo que todos somos consequências de um jogo de circunstâncias que determinam a nossa personalidade e definem a nossa identidade.
Por isso afirmo que a humanidade começa e termina em cada um de nós, que somos consequência do património genético e das circunstâncias que caracterizam a história de vida que nos é própria.
Numa perspectiva ecossistémica, a família, a comunidade e a escola conjugam acções decisivas na formação da nossa identidade, pelo que afirmo a importância decisiva na construção da minha personalidade a circunstância de ter sido aluno do Professor Óscar Lopes, quando foi professor efectivo no liceu Camilo Castelo Branco, em Vila Real de Trás-os Montes.
Desenvolveu métodos de ensino que despertaram nos alunos um interesse crescente pela língua portuguesa e pelos mais representativos escritores portugueses.
Por isso, estimulou o nosso interesse pelos jogos de palavras cruzadas que permitiram enriquecer o vocabulário que considerara limitado para o grau de ensino em que estávamos.
Mas, considerava fundamental educar tanto como instruir, pelo que desenvolvia projectos de colaboração entre grupos de alunos, com os quais fazia passeios a pé, para o campo da Senhora de Lurdes nos arredores de Vila Real, e, pelo caminho, promovia acções de grupo que consituía conforme os objectivos a que se propunha.
O desenvolvimento de valores, como a colaboração, a camaradagem e o respeito pela diferença, foi uma permanente lição que o Professor Óscar Lopes desenvolveu como meu professor. Por isso, o considero um Mestre, formador, educador e amigo que persiste para lá do tempo.
Despertou em mim o gosto pela leitura de Camilo Castelo Branco, tendo salientado a capacidade da construção de neologismos que caracteriza a obra literária camiliana.
A obra poetica de Antero de Quental foi-me apresentada pelo Professor Óscar Lopes como a expressão poética da Utopia que veio a publicar na década de oitenta.
Durante as caminhadas, a pé, que fazia com os alunos, procurava analisar textos que mereciam alguma ponderação analítica e, assim, mantinha a atitude de pedagogo numa aproximação humana de grande amizade. Deste modo, lemos e interpretámos Os Lusíadas que constituía uma das grandes dificuldades para a maioria de nós.
A literatura ligada ao teatro, particularmente os Autos de Gil Vicente, foi uma das opções que aprendi com o Mestre Óscar Lopes, e assim, quando ingressei na Faculdade de Medicina do Porto, logo me aproximei do Teatro Universitário do Porto onde estive durante dez anos.
A cidadania consciente e participativa manifestava-se nas intervenções sociais que realizava apesar do regime totalitário que dominou a sociedade portuguesa. Nas páginas da Seara Nova e da Vértice defendeu uma postura ideológica que se inscreve no marxismo dialéctico e o afirma opositor do regime salazarista, pelo que foi perseguido politicamente e afastado do ensino oficial.
Contudo, continuou a desenvolver uma intensa actividade nos domínios da linguística, da história, da filosofia, da musicologia e da literatura, pelo que continuou a ser uma referência para a minha geração que procurava indicadores dos novos ideiais.
Foi presidente da Associação Portuguesa de Escritores e sócio de mérito da Associação de Jornalistas e Homens de Letras.
Após a minha licenciatura, foi como médico de clínica geral que reencontrei o Professor Óscar Lopes que me confiou a vigilância da saúde de família.
Testemunhei o entusiasmo como foi acolhido o propósito de o integrar no corpo docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, como Professor Catedrático, com pareceres muito concludentes como o de Vitorino Nemésio.
Em 1974-1975 foi membro da equipa reitoral presidida pelo Professor Rui Luís Gomes.
Na qualidade de vice-reitor da Universidade do Porto foi um elemento decisivo na reestruturação da vida universitária no período agitado que se seguiu à revolução de Abril.
Pertenceu ao Conselho Consultivo que foi contituído pelo Reitor Professor Rui Luís Gomes e funcionou como estrutura de apoio à reitoria na análise dos acontecimentos pedagógicos e administrativos que se sucederam no anos lectivos de 1974-1975. O Professor Óscar Lopes promovia a discussão aberta, tranquila e justa das diversas situações que eram analisadas, manifestando sempre opiniões sensatas que permitiram decisões pertinentes para o normal funcionamento da Universidade do Porto.
Razões de saúde, limitativas da minha capacidade de continuar a fazer clínica, afastaram-me do contacto personalizado com o Professor Óscar Lopes mas mantiveram a minha admiração pelo Homem que foi meu Mestre.
Setembro, 2007