Intervenção de Jorge Sarabando - Sobre Funções sociais do Estado e municipalização - 8ª Ass. da ORP

Quando falamos das funções sociais do Estado, temos como referência aqueles direitos que cabe ao Estado garantir em domínios essenciais como a educação, a saúde, a segurança social, a justiça.
Por isso, a Constituição determina a criação de uma rede pública de ensino que cubra as necessidades de toda a população, de forma a garantir a igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar; a existência de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito, a que foi colado, numa das revisões impostas, pelos PS/PSD, o advérbio “tendencialmente”, para introduzir as taxas moderadoras e outros pagamentos; o acesso ao direito e aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada para insuficiência de meios económicos; o direito à Segurança Social, pelo que incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema público de segurança social.
Outros direitos sociais são protegidos na Constituição da República, mas a política  de direita seguida nos últimos anos tem um traço comum: transformar os campos onde há direitos sociais e bens públicos a defender em áreas de negócio. A onda privatizadora invade todos os domínios que são públicos, trazendo consigo perdas de direitos laborais, precariedade, baixos salários, encarecimento de preços, degradação a prazo dos serviços, mais corrupção, descriminações, por condição económica, o aumento da pobreza e da exclusão social .
Por aqui passa uma fronteira entre duas concepções de organização do Estado - a nossa,  plasmada na Constituição, que atribui ao poder político a responsabilidade de garantir a igualdade de direitos de todos; e a do capitalismo neo-liberal, que age em nome de certos princípios, como o da livre concorrência, mas tantas vezes, enganosa, do utilizador-pagador, mas tantas vezes injusto, da liberdade de escolha, mas em geral falsa, do Estado  mínimo, reduzido a um aparelho coercivo e repressor, mas que os interesses privados, falando em nome da chamada sociedade civil, parasitam o mais que podem, sugam subsídios, isenções, benesses, financiamentos a fundo perdido  e outros favores e expedientes.
As soluções neo-liberais vão avançando no terreno através de pequenas medidas, factos  consumados, despachos, portarias, legislação ordinária, acompanhadas de um arsenal ideológico que as apresentam como sinal de modernidade, inevitáveis dada as ineficiências conhecidas  e a escassez dos recursos públicos.
Em geral, não na forma mas na substância, vão ferindo, vão violentando a Constituição   da República, lei de todas as leis. Mas porque ainda significa uma forte limitação a todos os seus desígnios, já vão falando alguns mais ousados em mudar a Constituição, ou seja, pretendem subordinar os direitos nela inscritos aos seus interesses e não conformar os seus interesses à ordenação legal nela inscrita.
Por detrás desde senha privatizadora, agigantam-se os grandes grupos económicos, para quem a mercantilização da Saúde, da Educação, da Segurança Social, significa um imenso manancial de enriquecimento e de poder. Continuando o País neste caminho, inevitável será que o poder económico deixe de estar subordinado ao poder político, como a Constituição determina e  a natureza de democracia impõe.
Este percurso está a ser feito com o apoio activo de sucessivos governos, e de forma cada vez mais ostensiva com o Governo PS/Sócrates.
Bastará dizer que, no sector da Saúde, 10% das camas do sector hospitalar e 50% dos cuidados ambulatórios já estão  na mão  dos privados. Tarda  a construção de hospitais  há muito reclamados, fecham maternidades, serviços de urgência, mas, nas imediações, vão crescendo como cogumelos, clínicas  e hospitais privados. Há também uma relação cada vez mais promíscua  com interesses privados nos cuidados públicos de saúde.
Na Educação, o ensino público registou em dez anos uma variação negativa de 15,4%, e o privado viu o seu peso crescer em 4,2%. Para  se ter uma ideia dos montantes das verbas transferidas, bastará dizer que, em 2006, os 10 colégios privados mais apoiados receberam do Estado 26 milhões de euros.
É nesta lógica, na desresponsabilização do Estado, na prevalência de critérios economicistas, que se insere a municipalização das redes escolar e de saúde.
Para se avaliar melhor os efeitos nocivos e perversos desta orientação não há como exemplos concretos.  
O Autarca de Gaia, Luís Filipe Menezes, encheu títulos de jornal ao prometer que, se lhe derem a gestão integral do sistema educativo, criará no concelho “escolas de ricos para meninos pobres a custo zero”. Por mais que desde então lhe perguntemos como iria operar este milagre nem ele nem os seus próximos souberam explicar.
Trata-se, claro, de puro ilusionismo verbal.
A realidade é bem outra, no âmbito das competências já a cargo do Poder Local.
São as escolas com enormes carências, em que os pais são obrigados a recorrer a rifas  e a similares para responder a necessidades básicas; em que pela prática do desporto juvenil são cobrados aos país elevadas verbas nos equipamentos públicos; sabem os camaradas a quanto monta o subsídio recentemente protocolado entre a Câmara e as escolas, para material didáctico e consumíveis, no ano em curso? Pasme-se, 1 cêntimo   por aluno/dia; são as escolas onde faltam os auxiliares de educação e onde por norma se recorre a tarefeiros, sem formação nem qualificação; são as escolas transformadas  em guarda da crianças e onde para as AEC`s são contratados professores pagos a 9 euros ilíquidos à hora, e que os recebem às vezes tarde, através de entidades terceiras; são as instalações sem condições mínimas, com salas de aula onde simultaneamente são leccionados vários graus de ensino; são os jardins-escolas da rede pública com extensas filas de espera.
Esta é a realidade. Com mais competências atribuídas, e sem meios financeiros suficientes, como está á vista, o cenário é fácil de adivinhar.
Ao mesmo tempo, o custo para as famílias do ensino público, que devia ser gratuito, não cessa de crescer. Há quem já pague 300 euros para livros e material didáctico, mas as escolas, na lógica do auto-financiamento, começaram e exigir pagamentos extra, para  cartões, para outras despesas, até por conta de telefonemas a haver.
É este o quadro, em Gaia e em outros concelhos, um pouco melhor ou um pouco pior.
Entretanto, anote-se, um Conselho Municipal de Educação tem, em 24 membros, apenas três professores.
As Cartas Educativas sacrificam, em certos casos, com ligeireza de critérios, a escola de proximidade.
Assim vai o processo de municipalização em curso: penúria financeira nas escolas, mais precariedade, mais horário de trabalho para docentes e não docentes, degradação  das condições de serviço, têm agravado e desvirtuado pelos novos regimes de avaliação das escolas, dos professores, dos alunos. A par disto, são os negócios particulares que prosperam,  as intromissões indevidas, os jogos de influências, os favores partidários que se multiplicam  e contribuem para envenenar o ambiente nas escolas.
É a Escola Pública que perde, e os privados que beneficiam. Passa a ter menos condições para exercer a sua missão constitucional, e em vez de combater, reproduz as desigualdades sociais.
No âmbito da Saúde, o processo é mais incipiente, mas a municipalização vai favorecer a contratualização com privados, dificultar uma gestão integrada dos serviços locais, criar mais constrangimentos financeiros.
Sejamos claros; há lugar para a iniciativa privada, mas supletiva e não determinante no que respeita às funções sociais do estado.
O que não pode acontecer é os recursos públicos servirem para encher os bolsos de alguns em prejuízo do que é de todos.
Em defesa de Escola Pública, do Serviço Nacional de Saúde, da Segurança Social pública, da justiça acessível a todos, vamos à luta camaradas.
Viva o PCP!