Insolvência da Flor do Campo (Santo Tirso)
Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República
Depois de, há cerca de três anos, a Flor do Campo, empresa têxtil com cerca de oitenta anos, localizada em Santo Tirso, ter fechado portas e despedido cerca de quatrocentos trabalhadores, estes ainda não foram ressarcidos das dívidas de que são credores, designadamente os salários e subsídios que ficaram por pagar do trabalho que foi efectuado pelos funcionários desta empresa.
Desde então para cá que esta empresa está abandonada, tendo sofrido um processo de degradação acentuada, com máquinas envelhecidas, desactualizadas e deterioradas pela acção das intempéries, incluindo a chuva que cai no interior dos edifícios. Aliás, um estudo feito no âmbito de um Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC) apontava, há alguns anos (isto é, antes desta imensa degradação), para a necessidade de na altura efectuar um investimento imediato de cerca de 1,5 milhões de euros para permitir modernizar a empresa e recolocá-la em funcionamento.
Importa, neste contexto, referir também que a Flor do Campo tem um passivo devedor de cerca de 53 milhões de euros, dos quais 33 milhões constituem dívidas à Segurança Social, cerca de 10 milhões aos trabalhadores, sendo o restante, no essencial, dívidas às Finanças e ao “IAPMEI”.
Durante os últimos três anos, a administração judicial da Flor do Campo, em vez de declarar a falência e assim possibilitar que um vasto património detido pela Flor do Campo pudesse ser encaminhado para o pagamento preferencial das dívidas aos trabalhadores (muitos dos quais não têm já hoje qualquer direito a subsídio de desemprego), optou por insistir em apresentar diversos planos de recuperação da empresa.
Destes três planos de reabilitação, os dois primeiros foram felizmente rejeitados, (o último dos quais em Abril deste ano por decisão do próprio juiz que, entretanto, foi afastado do processo), propunham que os trabalhadores abdicassem, respectivamente, de 85% e de 80% dos seus créditos salariais. Se tivessem sido aprovados estes dois primeiros planos de recuperação, (que aliás contaram com o apoio do representante mandatado da Segurança Social), os trabalhadores poderiam vir a receber, quando muito, meia dúzia de euros mensais.
O mais recente plano, foi aprovado na parte final do passado mês de Outubro, apenas com os votos da Segurança Social, credora maioritária, tendo contado com os votos contrários dos trabalhadores, das Finanças e do IAPMEI. Com este plano propõe-se que os trabalhadores abdiquem de 70% dos seus créditos salariais, sendo que, ainda por cima, se propõe que a parte (30%) a receber seja paga em dez anos, com dois anos de carência, isto é, a pagar apenas entre 2011 e 2021!
Esta inaceitável posição da Segurança Social, que isoladamente sustentou tal plano contra a opinião dos representantes dos restantes ministérios e institutos públicos credores, vai impedir que a falência seja declarada no imediato e que os trabalhadores possam receber o que a empresa lhes deve há tantos anos. Esta posição da Segurança Social só se pode explicar pelo facto de poder vir a ser, nestas circunstâncias, a detentora isolada de hipoteca sobre o vasto património da Flor do Campo, incluindo património não afecto à produção industrial da empresa, por causa dos termos do Procedimento Extrajudicial de Conciliação (PEC) atrás referido e em tempos estabelecido.
Esta posição da Segurança Social é totalmente contrária aos interesses dos trabalhadores, não se sustenta – como fica claro da descrição da situação actual da fábrica e dos investimentos necessários para permitir a sua reactivação - em qualquer hipótese credível de poder voltar a fazer laborar a Flor do Campo, e só se explica pela tentativa da Segurança Social se apropriar da quase totalidade do património existente, deixando de fora os restantes credores, em especial os trabalhadores, que trabalharam sem receber e que, em circunstâncias normais de falência, seriam legalmente credores privilegiados.
Perante esta situação, e tendo em conta que estamos perante um novo titular do Ministério que tutela a Segurança Social, importa que, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, o Governo, através do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, responda com a máxima urgência às seguintes questões:
1. Qual é afinal a justificação para que a Ministério do Trabalho e a Segurança Social estejam a sustentar e votar favoravelmente todos os planos de recuperação da Flor do Campo apresentados pelo administrador judicial da têxtil Flor do Campo? O que justifica que o representante do Ministério do Trabalho/Segurança Social continue a a votar e a sustentar posições tão contrárias às de outros ministérios e representantes de institutos públicos?
2. Consideram o Ministério do Trabalho e a Segurança Social que o último plano de recuperação, aprovado apenas pelos seus representantes em Outubro passado, vai permitir que a Flor do Campo volte de facto a funcionar? Mesmo com a situação completamente degradada das suas instalações? Mesmo com a total falta de liquidez para realizar qualquer tipo de investimento de modernização ou de mera recuperação das instalações fabris? O que visam então na realidade obter com esta posição inaceitável o Ministério do Trabalho e a Segurança Social?
3. Têm, o Ministério do Trabalho e a Segurança Social a noção que os trabalhadores são seguramente os principais prejudicados com a posição da Segurança Social? Que poderá nada receber de facto, apesar de terem trabalhado sem receber durante muito tempo? Considera que meros interesses patrimoniais da Segurança Social se devem sobrepor aos interesses de quatrocentos trabalhadores que há mais de três anos foram espoliados do principal direito de qualquer trabalhador, receber o seu justo salário?
4. Face ao que se está a passar, e às questões sociais que se colocam, considera ou não esse Ministério que deverá ser rapidamente alterada a posição da Segurança Social, passando a permitir que, finalmente, seja declarada a falência da Flor do Campo?
Palácio de São Bento, 19 de Novembro de 2009
O Deputado:
Honório Novo