Enquadramento social dos reclusos inimputáveis (Santa Cruz do Bispo)
Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia da República
O Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo é, segundo julgamos saber, o único a nível nacional de regime aberto destinado, em parte, a condenados inimputáveis, considerados perigosos, em cumprimento de medidas de segurança de internamento na Clínica Psiquiátrica. Muitos destes reclusos são indivíduos com anomalias psíquicas graves que carecem de tratamento psiquiátrico mas a quem foi reconhecida a capacidade de entender e de querer no momento da prática dos respectivos crimes.
Este tipo de reclusos inimputáveis, hoje em número aproximado de 130, sobrelotando um estabelecimento prisional cuja potencial de ocupação, para esta finalidade específica, ronda os cem lugares, é proveniente de todo o País e regiões autónomas da Madeira e dos Açores, circunstância que para a maior parte dos que são oriundos de outras regiões mais longínquas do País prejudica ou impede mesmo o contacto com os familiares, com consequências no enfraquecimento de relações familiares, muitas delas já muito frágeis pelas características das doenças e pela natureza dos comportamentos que deram origem às condenações. Este afastamento contribui de forma muito significativa para a posterior indisponibilidade dos familiares receberem os inimputáveis, quando por exemplo em regime de “liberdade para prova” (condicionada).
O que sucede nestas situações é que quando solicitadas para tal pelo Tribunal de Execução de Penas, nem a Segurança Social nem as Instituições Particulares de Solidariedade Social dão resposta às necessidades de acolhimento deste tipo de pessoas. A resposta destas instituições, mas em particular da Segurança Social, é muito frequentemente negativa, invocando ou o facto de não serem instituições “vocacionadas para receberem indivíduos com estas características e necessidades específicas”, ou o facto de não disporem de vagas nos lares de que dispõem.
Na prática, e para além dos pretextos ou razões formais invocadas, existentes e reais, ou não, a verdade é que se assiste a uma desresponsabilização total da parte do Estado e das instituições aparentemente vocacionadas para albergar situações deste tipo, perante o destino destes indivíduos, seja no decurso do cumprimentos das penas e respectivas medidas de reintegração societária, seja no seu encaminhamento no final do cumprimento das penas a que foram condenados. E a verdade é que, convém não esquecer, estamos muito frequentemente perante pessoas muito débeis do ponto de vista financeiro e do seu relacionamento social.
Para além desta situação, que compromete inexoravelmente o papel da Segurança Social, subsiste ainda uma outra questão que se prende com o facto de, nos últimos anos, os reclusos inimputáveis de menor perigosidade não poderem na prática ser integrados em hospitais psiquiátricos já que, actualmente, só o Hospital de Sobral Cid, do Centro Hospitalar de Coimbra, parece estar a receber pessoas com estas características – onde estão aliás colocados algumas dezenas -, sendo que muitos dos restantes (Hospital do Lorvão, Miguel Bombarda) deixaram de ter este tipo de valências.
A conjugação destas circunstâncias adversas, que caracterizam de forma abundante a desresponsabilização do Estado pela situação desprotegida de muitos cidadãos, faz com que, em muitos casos, haja reclusos que permanecem no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, através da prorrogação de medidas de segurança, sem que tenham condições para se reintegrarem socialmente por ausência de respostas sociais ou do sistema de saúde.
Perante esta situação, e ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, solicita-se ao Governo que, por intermédio do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, respostas às seguintes questões:
1. Como se explica que a Segurança Social não dê respostas qualitativa e quantitativamente adequadas ao enquadramento habitacional e social dos reclusos inimputáveis do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo?
2. Como se pode explicar a total desresponsabilização do Estado perante cidadãos em situação de poderem beneficiar de “liberdade para prova”, por ausência de respostas da Segurança Social ao nível do enquadramento habitacional destes cidadãos desprotegidos ou totalmente desenquadrados, familiar e socialmente?
3. Que estratégias e objectivos pensa a Segurança Social desenvolver para dar resposta a este tipo de cidadãos no seu regresso à vida em sociedade? Considera ou não necessário criar instituições próprias do Estado para apoiar a reinserção social destes cidadãos? Ou, em alternativa, entende que são as instituições particulares que na prática se recusam a receber este tipo de cidadãos invocando pretextos formais e outros, a (não) resolverem uma situação que compete ao Estado assegurar?
Palácio de São Bento, 10 de Dezembro de 2009.
Os Deputados:
Honório Novo
António Filipe
Jorge Machado