Romeu Cunha Reis
Quis o acaso que, vivendo eu no Norte, só vi ao vivo José Saramago em duas fases muito diferentes da sua vida.
Na primeira delas, ainda o futuro Nobel estava muito longe de ter alcançado a fama mundial, e mesmo nacional, que depois teve.
Decorriam os trabalhos preparatórios do III Congresso da Oposição Democrática (1973) na cidade de Aveiro. Ao longo de alguns meses, a Comissão Nacional do Congresso ia reunindo os representantes de todos os distritos do país com vista a determinar-se como deveria funcionar, os objectivos em vista e a sua organização. E José Saramago lá comparecia integrando o grupo de representantes do distrito de Lisboa, tal como eu, entre vários outros, representava o distrito de Coimbra. Por essa altura, ou pouco depois, ainda eu conhecia apenas da sua autoria o livro Objecto Quase, que nunca chegou a ter grande divulgação.
A segunda vez que o vi, muito diversamente, já ele era galardoado com o Nobel, autor de uma obra imensa com títulos que irão ficar para sempre na história da literatura portuguesa, e não só, e na nossa memória colectiva.
Não, não era fácil, em 1973, adivinhar o talento que se escondia dentro de José Saramago. Já o mesmo não se diga do empenhamento na construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna. Nesse aspecto, Saramago revelou-se desde sempre de uma absoluta coerência e de uma constante dedicação, participação nas grandes realizações do seu partido, assim como na defesa dos seus princípios e nas acções com vista à consecução dos seus objectivos. Isto mesmo se revela de forma particularmente empolgante, no seu livro Levantado do Chão, que a todos comove, arrebata e incita a proclamar o direito de todos a serem senhores de si mesmos, livres da miséria e da exploração, e maduramente conscientes do seu papel no mundo em que vivem.