Ilda Figueiredo
Quem escreveu, como o fez José Saramago, no Memorial do Convento, “O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará” sabe que a magia é mais do que desejo, invenção, engenho e arte, antes serve para tornar realidade para outros o que deveras se sonha a partir das palavras que esperam que se lhes dê forma, para aí erguer a sabedoria dos que se levantam do chão, erguem conventos, sofrem repressões mas aspiram à liberdade, à justiça, à dignidade e tentam construir a civilização que poderá ser diferente.
José Saramago deu um conteúdo profundo à magia das palavras, escavando na matéria-prima, naquele reino das palavras, onde os escritos, paralisados, em estado de dicionário, esperam calmamente por serem escritos, como ele próprio referiu ao citar o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade.
José Saramago rasgou à literatura portuguesa novos caminhos, o que logo se sentiu com a leitura do livro Levantado do Chão, escrito a partir da sua permanência em Lavre, e a que o escritor se referiu afirmando que “se não tivesse ido para o Alentejo, talvez não tivesse nascido o meu modo de escrever hoje, a partir desse discurso oral, dessa conversa contínua, disso que não está escrito, mas que é a comunicação das pessoas umas com as outras”.
Em Saramago, a escrita caminha intrinsecamente ligada à intervenção, denunciando rotas da injustiça e da ignominia, guiada pela magia da consciência ética e da dignidade humana, com as armas da verdade e da vontade, procurando tornar mais forte a vontade da paz que a vontade da guerra, na defesa da vida da humanidade, de hoje e de amanhã.
Agosto 2022