Francisco Duarte Mangas
Como júri do Prémio Carlos de Oliveira, é dos primeiros leitores de Diário de Link. Na entrega do prémio, em Lisboa, cruza-se comigo e diz, “É um bom livro”. Nem mais uma palavra. Nesse tempo, sem dúvida, gostaria que Saramago, tão prolixo nos seus escritos, falasse algo mais. Por exemplo, “Está no bom caminho” – coisa que se diz quando nada se tem a dizer. Anos antes, o encontro inicial. Estou no jornal O Primeiro de Janeiro, o escritor vem ao Porto apresentar A Jangada de Pedra: assim surge uma das minhas primeiras entrevistas. A conversa, imaginei-a mais longa, é numa sombria sala de hotel modesto, na noite de véspera da apresentação do romance.
Na altura, ando a descobrir a extraordinária obra de Cesare Pavese e encantado pela forma de ver o mundo proposta por Marcuse. A entrevista abre assim: eu a questionar o escritor a partir de pensamentos desses dois autores. Saramago estranha, irrita-se, fecha o rosto, julga talvez que o jovem entrevistador nem a badana do romance havia lido. Não é de todo verdade. A primeira pergunta sobre A Jangada de Pedra, enfim, aparece. E o entrevistado ilumina-se. Da conversa, na sala soturna de hotel modesto, reavivo estas palavras, o ínvio caminho que levaria Saramago ao Nobel: “O lugar que ocupo hoje deve-se a uma decisão que tomei num certo momento da minha vida. Provavelmente, se tal não acontecesse, não vinha a escrever parte dos meus livros. Por palavras mais simples: no 25 de Novembro de 1975 senti-me desempregado, a angústia do fim do mês sem cheque colocou-se. Por decisão minha, abandonei o Diário de Notícias, onde era subdirector. E agora, José? A saída foi tornar-me escritor a tempo inteiro”.