Saúde
Sobre a capacidade de resposta do SNS da região aos problemas da saúde mental
Os serviços de psiquiatria e saúde mental são tradicionalmente os menos valorizados, menos financiados e menos dotados de técnicos. Qualquer progresso real depende menos de doutrinas e mais dos meios humanos e investimentos para implementar serviços de psiquiatria e saúde mental do SNS capazes de dar resposta às necessidades das populações.
Destruir o que existe, como se anuncia para os hospitais psiquiátricos, é uma política de fachada falsamente evoluída, destinada a poupanças forçadas numa área de carências gritantes.
Estima-se, segundo o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2004-2010, que a prevalência de perturbações psiquiátricas na população geral ronde os 30%, sendo nestes aproximadamente de 12% a de perturbações psiquiátricas graves, embora não existam dados de morbilidade psiquiátrica, de abrangência nacional, que permitam uma melhor caracterização do País.
A DORP do PCP promoveu um conjunto de encontros e reuniões a propósito do PNS e as suas implicações na capacidade de resposta da região na área dos cuidados de saúde mental, destacando-se os encontros com médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar, dirigentes sindicais e directores hospitalares.
Dos contactos efectuados, saíram reforçadas as nossas preocupações quanto às opções assumidas no quadro do PNS e a capacidade de resposta aos problemas da saúde mental na região, comprovando a grande distancia que vai entre o discurso e a realidade dos doentes mentais e suas famílias.
O PNS foi estruturado com base num conceito segundo o qual os serviços de Psiquiatria e saúde mental devem ser desconcentrados pelos hospitais e centros hospitalares do país. Segundo a mesma lógica, estes doentes devem sobretudo ser tratados de forma integrada quer na comunidade, quer na família.
Contudo, a realidade comprova que os casos graves da psiquiatria, apesar da evolução das possibilidades de tratamento e de apoio farmacológico, apresentam quadros clínicos muito graves que nenhuma família pode suportar para sempre.
Por outro lado, os doentes crónicos não acabam por decreto e todos os dias há novas situações. O referido PNS, segundo o qual estão a ser introduzidas estas alterações, reduz drasticamente as possibilidades de internamento, sem que crie qualquer alternativa, de que seria exemplo a criação de residências para doentes crónicos sem retaguarda familiar ou os doentes graves.
O pressuposto da criação de departamentos de psiquiatria e saúde mental nos vários hospitais, que deveria acompanhar as medidas em curso no Hospital Magalhães Lemos (HML), tem encontrado resistências nas direcções hospitalares, podendo conduzir a uma situação de vazio provocada pela diminuição de serviços no HML que não é compensada pelos restantes hospitais. Há exemplos no distrito em que os serviços estão criados apenas no papel, com psiquiatras contratados, mas sem que tenham sido criados espaços para eles poderem trabalhar lá a psiquiatria de ligação (por exemplo: Póvoa/Vila do Conde e Santo Tirso).
A criação das Unidades de Saúde Familiar (USF), em substituição dos Centros de Saúde, tem diminuído a capacidade de resposta dos Cuidados de Saúde Primários às questões da saúde mental, contrariando desta forma a prioridade que se exigia: prevenção, educação, promoção da saúde e combate ao estigma.
O Plano de Saúde Mental revela uma grave lacuna designadamente pela inexistência de uma Rede de Cuidados Continuados alternativa aos internamentos.
No que respeita aos doentes de Alzheimer as respostas são muito fracas pela falta de uma rede de cuidados continuados na área da demência.
Há situações de exclusão social que resultam de doenças psiquiátricas, bem como do consumo excessivo e/ou dependência de álcool e drogas, nomeadamente nos sem-abrigo, grupo em que a prevalência de perturbações psiquiátricas (incluindo abuso e/ou dependência de álcool e drogas) é superior a 90%. Estes doentes acorrem pouco aos serviços de saúde que, por sua vez, têm uma capacidade reduzida para ir ao encontro das pessoas excluídas.
Há ainda um conjunto significativo de doentes psiquiátricos que perdeu a retaguarda familiar e não tem quaisquer recursos. Os cortes nas prestações sociais, aprovados pelo PS e PSD no quadro das políticas de austeridade, terá reflexos dramáticos no agravamento das condições de vida destas pessoas.
É urgente outra política
A DORP do PCP alerta para o facto destes problemas, que terão consequências sociais gravíssimas, serem consequência das opções políticas do governo. Opções tomadas numa lógica economicista que é incapaz de colocar as necessidades dos utentes e da comunidade no centro das suas prioridades, mas cede facilmente à obsessão pela contenção orçamental e pelo combate ao défice, tratando doentes e utentes como números ou mercadoria.
Igualmente se afirma e reclama a necessidade e a possibilidade de uma ruptura com esta política, que seja capaz de criar condições de resposta no SNS aos problemas se saúde mental. Nesse sentido, considera-se prioritário, no plano da região:
Impedir a redução das capacidades de resposta do HML, nomeadamente de internamento, enquanto os restantes Hospitais regionais não tiverem condições de compensar o acolhimento de doentes mentais.
Criação de condições de acompanhamento, envolvendo técnicos de diversas áreas, dos doentes encaminhados para as famílias, promovendo a sua inserção familiar, social e laboral.
Criação de pequenas Unidades Residenciais de Vida Apoiada de dois tipos: umas mais simples para doentes mais autónomos e outras mais supervisionadas para doentes mais dependentes.
Desenvolver a ligação entre a psiquiatria e a rede de cuidados continuados, com a criação de novas capacidades de resposta.
A situação actual evidencia mais uma vez que os cortes nos apoios sociais, acordados pelo PS e PSD a propósito do PEC, aprofundarão as injustiças e a exclusão social.
No plano mais geral da saúde mental o PCP reafirma a necessidade de uma outra política, que assegure um Serviço Nacional de Saúde efectivamente universal, geral e gratuito, que passa por:
Promover a educação em saúde mental, na luta contra o estigma das doenças psiquiátricas e na valorização de estilos de vida saudáveis.
Desenvolver acções de tratamento, prevenção e promoção de saúde mental junto de indivíduos de grupos de elevado risco.
Dar o devido realce e apoio aos movimentos de associações de doentes e familiares e respectivas federações.
Desenvolver iniciativas que visem assegurar o direito das pessoas com doenças psiquiátricas incapacitantes a uma vida autónoma e a uma efectiva integração social e laboral.
Dotar os Serviços de Psiquiatria de hospitais gerais de recursos humanos, médicos psiquiatras, enfermeiros especialistas, psicólogos, técnicos de serviços social, terapeutas ocupacionais e outros técnicos, segundo os rácios considerados adequados para assegurar uma assistência que envolve a hospitalização, o ambulatório, a urgência, a prevenção e a reabilitação na área atribuída.
Dar aos Hospitais Psiquiátricos do SNS a dimensão e diferenciação adequada, aproveitando os seus valiosos dispositivos para serviços especializados regionais, para a reabilitação e apoio a pessoas com maiores incapacidades.
Assegurar uma colaboração e parceria entre o SNS e os Hospitais Psiquiátricos das Ordens Hospitaleiras, de modo a servir as populações mais carenciadas, optimizando recursos.
Incentivar e desenvolver a ligação entre os Serviços de Psiquiatria e os Cuidados Primários de Saúde
Porto, 13 de Agosto de 2010
A DORP do PCP