É com grande alegria que, como Secretário-Geral do PCP, partido em que Óscar Lopes dedicadamente militou até nos deixar fisicamente há um ano atrás, me associo a esta Homenagem promovida pela Direcção da Organização Regional do Porto e do seu Sector Intelectual.
Homenagem justíssima ao homem, ao intelectual, ao democrata, ao patriota e ao comunista, a quem a cultura portuguesa, a resistência à ditadura fascista e o novo Portugal democrático saído da Revolução de Abril muito devem.
As intervenções da Professora Fátima Oliveira e do camarada José António Gomes abordaram em profundidade o perfil do intelectual de excepção que foi Óscar Lopes nas múltiplas vertentes em que se desdobrou: a sua insaciável curiosidade científica, a sua excepcional actividade de pedagogo, publicista, a sua intensa actividade cívica e política. Permitam-me ainda assim algumas notas de carácter biográfico que, embora muitíssimo incompletas, evidenciam que evocamos hoje um homem, um intelectual e um revolucionário comunista de excepção e que, além do seu exemplo de cidadão, nos lega uma obra notável onde o rigor científico, a inspiração criativa e o ponto de vista de classe se fundem naturalmente.
Óscar Lopes nasceu aqui, no concelho de Matosinhos, em Leça da Palmeira, em 1917, ano do maior acontecimento revolucionário do século XX, a Revolução Socialista de Outubro, a cujos ideais libertadores aderiu e a que se manteve fiel até aos seus últimos dias. Da vida modesta e sofrida das gentes da sua terra, dos humildes pescadores, recebeu o impulso de revolta contra a miséria e a exploração e de amor ao povo que moldaram a sua consciência política, a sua identificação com os interesses da classe operária, a sua opção pelo ideal comunista. Foi assim que aderiu ao PCP em 1945, realizou as mais diversas tarefas na clandestinidade e depois do 25 de Abril, tendo sido membro do Comité Central do PCP entre 1976 e 1996.
Professor, investigador, publicista, Óscar Lopes foi autor de uma vasta obra, sobretudo no domínio da Linguística e da Crítica Literária, em que se destaca esse monumento que é a História da Literatura Portuguesa de que foi co-autor, deixa colaboração dispersa em inúmeros jornais e revistas (como a Vértice e a Seara Nova), e o seu nome fica ligado a numerosas colectividades e associações culturais como a Associação Portuguesa de Escritores, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto ou a Universidade Popular do Porto de que foi um dos fundadores .
Mesmo quando perseguido pela PIDE e impedido de lecionar no nível que a sua elevada competência impunha, soube combinar a sua superior actividade de homem da cultura com uma intensa intervenção social e política.
Profundamente identificado com o sentir e as aspirações do seu povo e os problemas do seu País, ao lado de outros lutadores destacados como Virgínia Moura, Lobão Vital, José Morgado, Ruy Luís Gomes ou Armando de Castro, Óscar Lopes desenvolveu intensa actividade política, participando desde 1942 nas mais diversas acções da Oposição Democrática antifascista tendo pertencido ao MUNAF, ao MUD, ao MND e mais tarde à CDE e à Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Preso pela PIDE duas vezes, a primeira das quais em 1955 no processo dos Partidários da Paz, viria a passar vários meses nas cadeias fascistas. Afastado da Universidade retomou mais tarde o ensino e, logo a seguir ao 25 de Abril, foi eleito Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Letras e exerceu o cargo de Vice-Reitor da Universidade do Porto. Foi candidato do PCP à Assembleia da República em várias eleições, tendo exercido a função de deputado, e eleito na Assembleia Municipal do Porto.
Para o PCP é uma grande honra e motivo de legítimo orgulho que este intelectual de excepcional valor que militou 70 anos nas sua fileiras seja um dos seus, um elo particularmente valioso e querido da cadeia de solidariedade ideológica, política e humana que é este grande colectivo partidário. Colectivo que, graças à firmeza de militantes modestos e dedicados como Óscar Lopes, o fascismo não conseguiu destruir, que se tornou o grande partido da Liberdade e da Revolução de Abril e se afirma hoje como força necessária e insubstituível na luta pela alternativa democrática e patriótica que a grave situação de Portugal reclama.
Não foi certamente por acaso que foi ele o autor inspirado do prefácio do romance “Até Amanhã Camaradas” de Manuel Tiago, como não são de circunstância as palavras com que Álvaro Cunhal se referiu um dia a Óscar Lopes afirmando que “toda essa vida notável, em si mesma, se torna ainda mais notável porque Óscar Lopes a soube e sabe viver com a serenidade e simplicidade que dão a sabedoria e a modéstia”.
Esta homenagem a Óscar Lopes, sem o afirmar explicitamente, integra-se de facto nas comemorações do 40º aniversário da Revolução de Abril, comemorações em que, para que se não esqueça, é necessário lembrar o que foi a longa noite fascista e, sem esquecer ninguém, lembrar e honrar aqueles que se destacaram no combate à ditadura e contribuíram para a conquista da Liberdade e para as grandes transformações revolucionárias que então abriram a Portugal o caminho do socialismo.
Trata-se pois de uma homenagem particularmente oportuna. Óscar Lopes foi um observador atento e um intérprete esclarecido dos problemas do seu tempo e da luta do seu povo, como confirmam os inúmeros artigos e textos de análise que nos legou. Mas foi sobretudo o participante activo, solícito, corajoso, sempre pronto a dar o seu contributo e a emprestar o seu nome prestigiado à indignação, ao protesto, à reclamação, às diversificadas formas de luta que moldaram a resistência anti-fascista, sempre disponível, por cima de todos os perigos, a contribuir para a unidade de quantos, independentemente da sua condição social e opção ideológica, aspiravam à liberdade e, mais tarde, ao fim das guerras coloniais e do colonialismo.
Óscar Lopes, um comunista ideologicamente muito firme e dedicado à construção do seu Partido e à defesa do seu Programa, foi simultâneamente um infatigável promotor da convergência e da unidade democrática e antifascista, área de intervenção em que, fazendo juz à sua grande autoridade moral, política e intelectual, revelou a sua capacidade para juntar na acção, e para a acção, personalidades de diferentes quadrantes e vencer preconceitos em relação ao movimento operário e ao Partido prejudiciais à unidade da Oposição Democrática.
Salientar e valorizar esta faceta da intervenção política e da personalidade de Óscar Lopes é particularmente importante no momento em que a extraordinária gravidade da situação económica, social e política do País torna necessária a mais ampla convergência e unidade de todos os democratas e patriotas, de quantos se não conformam com o rumo de empobrecimento e ruína económica em que quase 37 anos de política de direita e de submissão ao imperialismo mergulharam o país.
Empobrecimento e ruína que se ampliaram de forma dramática nos últimos três anos de intervenção estrangeira do FMI, UE e BCE com a activa conivência dos partidos da troika nacional e que teve no actual governo do País o mais zeloso executor.
Três anos que se traduzem no período mais negro da vida democrática do nosso País e que nos mais variados aspectos da nossa vida colectiva significam um retrocesso de muitos anos, nomeadamente no plano económico e social. Três anos que deixaram um rasto de violência e drama na vida dos portugueses.
É verdade que a convergência e unidade dos democratas se, obviamente, não encerra os perigos dos tempos do fascismo, é hoje bem mais exigente quanto ao seu conteúdo político e social.
A vida já mostrou que não há solução possível sem libertar Portugal do espartilho das políticas que tornam os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, que esbulham o povo do património público para o entregar sem vergonha ao grande capital nacional e estrangeiro, que destroem passo a passo o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, a Segurança Social, que submetem Portugal aos ditâmes da União Europeia dos monopólios, com ou sem troika, comprometem a independência e soberania nacional, põem em causa o próprio regime democrático.
Uma “unidade” que não tenha isto em consideração apenas serviria para alimentar protagonismos e semear ilusões.
Hoje assistimos por parte das forças que tomaram conta do País a insistentes apelos ao consenso das forças políticas. Fazem-no em nome de um suposto interesse nacional e apresentam-no como uma importante premissa para a solução dos problemas do País.
Trata-se de mais uma tentativa daqueles que, perante o seu isolamento e generalizado repúdio da política que executam, tentam a todo o custo alargar a sua base de apoio para prosseguir uma política de ruína do País e dos portugueses e a sua ofensiva sem paralelo contra os interesses populares.
Um consenso assente na falsa ideia de que só há uma solução para o País - a concertação e acordo entre os partidos da troika nacional - e uma única política – a política de empobrecimento e exploração do povo que já anunciam como inevitável para os próximos vinte anos. Não é este o consenso que o País precisa e aspira!
A nossa Revolução de Abril, que embora inacabada lançou profundas raízes na realidade portuguesa que nada nem ninguém jamais conseguirá cortar, legou a quantos amam o seu país e querem assegurar-lhe um futuro de progresso e soberania, uma plataforma de convergência e um programa de acção de extraordinário valor, ou seja, a Constituição da República Portuguesa, a mais progressista Lei fundamental da Europa capitalista. A luta para impedir a desfiguração que a classe dominante pretende e defender a sua efectiva implementação, constitui no presente momento a principal tarefa de quantos, inspirados no exemplo de incansável lutador pela unidade que foi o camarada Óscar Lopes, aspiram a um Portugal com futuro.
No prefácio que nos deixou em “Até Amanhã, Camaradas”, nesse romance que, como afirmava, se “coloca ao rés de toda a gente – pelo menos, de toda a gente que é, de algum modo, socialmente explorada” e onde, Óscar Lopes, discorria sobre a intensidade afectiva de todo o livro e do que dele emana de compreensão de como são as pessoas, através das suas personagens, nomeadamente daquelas que experimentaram mergulhar nos “subterrâneos da liberdade”, para realçar os segredos do “milagre” daquela “máquina” - para utilizar as suas próprias palavras – “que a polícia anunciava de vez em quando ter desmantelado, mas logo ressurgia das cinzas como a Fenix mitológica”, Óscar Lopes, dizia-nos que a vida é inesgotável e a grande lição do livro era a de que viver (viver com maiúscula) é perigoso.
Sentem-no, afirmava, “aqueles que inteiramente se comprometem a melhorá-la”. Nestes tempos difíceis e exigentes de hoje sentem-no todos aqueles que na fábrica, nos locais de trabalho, nos campos, no mar, nos diversos postos de combate, nomeadamente na frente da cultura, continuam a ousar dizer não às injustiças, às desigualdades e à exploração reinantes, numa terra onde a lei da selva ganhou, momentaneamente, estamos certos, terreno.
Mas como dizia Óscar Lopes, “eles até mesmo nos ajudam a sentir que muito existe ainda sem nome, à espera de coragem”, dessa coragem que nunca faltou também a Óscar Lopes, daquela, como ele próprio definia, ser feita de “capacidade de entender, de sentir a fundo e de acertar”. De acertar desde logo no lado certo no combate pela vida vivida com dignidade, tomando o partido, como ele tomou de forma tão intensa na luta por uma sociedade nova, mais justa e mais fraterna!
22 de Março de 2014