Boa tarde Amigos e Camaradas:
Para a cidade do Porto e para o país, a revolta de 31 de Janeiro ficou marcada bem fundo como um símbolo de inconformismo, de luta pela liberdade e por melhores condições de vida. Sendo matéria de facto que se tratou de uma revolta que resultou em derrota militar, na qual, portanto, os seus participantes não conseguiram concretizar os seus intentos, penso, no entanto, ser justo concluir que, no plano político, esta não foi inteiramente derrotada, na exacta medida em que alguns anos mais tarde, com o derrube da Monarquia e a instauração da República, os seus objectivos foram satisfeitos.
Olhando com a distancia temporal dos 123 anos que nos separam dos acontecimentos que hoje assinalamos, podemos apreciar que o tempo e modo escolhido pelos revoltosos, nas condições existentes, fazia prever um desfecho do tipo daquele que se verificou. Mas também podemos concluir que se tratou de uma experiência precursora dos acontecimentos de Outubro de 1910 e da conquista da democracia décadas mais tarde..
O 31 de Janeiro continua a perdurar como memória de luta. Foi o 31 de Janeiro que sacralizou “A Portuguesa” como hino nacional e as cores vermelho e verde na nossa bandeira, pois foi o som do nosso hino que entusiasmou os revoltosos e uma bandeira vermelha e verde nos Paços do Concelho que estes saudaram quando de uma janela a República foi proclamada.
Os seus organizadores e activistas foram perseguidos pelo poder régio. A consciência do apoio popular ao movimento por parte do regime era tal que o julgamento dos presos realizou-se a bordo de navios de guerra no Porto de Leixões.
Muitos daqueles que conseguiram escapar à prisão optaram por exilar-se, por exemplo, em Espanha. Em Madrid, um grupo de signatários publicou o Manifesto dos Emigrados da Revolução Republicana de 31 de Janeiro, no qual comparam a sua experiência com a revolução de 1383 e ao 1º de Dezembro de 1640, ambos processos marcantes em defesa da independência e soberania nacionais.
Tão importante como observarmos a descrição dos factos ocorridos em 1891 é talvez analisarmos as causas fundas que estiveram na génese desta tentativa de revolução, entre as quais aparece com destaque a subordinação dos governantes portugueses a potências estrangeiras e o sentimento de humilhação nacional que tomou conta de grande parte do povo português. Ora, nos tempos que correm, em que o nosso país e o nosso povo são vitimas de uma ingerência externa materializada no Pacto de Agressão subscrito entre a troika estrangeira e a troika nacional e em que se prepara a perpetuação desta ingerência sob a forma de “programas cautelares”, ou chamem-lhe o que quiserem, é incontornável fazermos um paralelismo histórico. Sendo certo que a História não se repete, não deixa de ser importante verificarmos que há coisas que não mudam, e que uma delas é a característica intrínseca das classes dominantes exploradoras e dos governos ao seu serviço de atraiçoarem o seu país se tal for o melhor para os seus cofres.
Tal como em 2011, PS, PSD e CDS subscreveram um “Memorando”, verdadeiro Pacto de Agressão, com instituições ao serviço do grande capital estrangeiro, também em Janeiro 1890, as autoridades nacionais conformaram-se com um “Memorando” (esta foi mesmo a expressão utilizada formalmente) apresentado pela Inglaterra (principal potência da época. Ainda não havia FMI, nem BCE, nem essas coisas...) que exigia o abandono por Portugal de posições em África, numa tentativa bem sucedida de acautelar os interesses expansionistas britânicos nesta região. Este processo ficou para a História como o Ultimato Inglês.
A forma como o governo real de D. Carlos cedeu ao ultimato britânico, face às pretensões territoriais portuguesas em África, expressas no Mapa Cor-de-Rosa no qual Portugal e outros países europeus estabeleceram os termos da exploração colonial, causou uma verdadeira indignação nacional. A monarquia tornou-se símbolo de humilhação e subordinação e a República símbolo de patriotismo e de soberania nacional, embrulhada, na época, em auras de grandeza colonial.
No mesmo ano, em Agosto, dá-se a assinatura do Tratado Aglo-Português, que garantiu direitos aos ingleses em territórios historicamente ocupados por Portugal, e, em 1899, do Tratado de Windsor, que renovava a aliança luso-britânica, que é como quem diz, reforçava as condições de subordinação de Portugal em relação a Inglaterra. Estes actos exaltaram ainda mais os ânimos e fizeram crescer a agitação social. As movimentações alastram. As publicações contrárias à monarquia adquiriram maior expressão. Por esta altura, os governos sucediam-se, mas sem que nada de substancial se alterasse...
Portugal encontrava-se numa profunda crise económica e financeira. Com o vasto império há muito amputado da sua parcela mais rica, o Brasil, olhava-se para África como a derradeira oportunidade de salvação – um território virgem, fonte de riquezas sem fim à espera que alguém as explorasse .
Não é de estranhar que as elites portuguesas desejassem a saída fácil para a crise que a “Quimera Africana” supostamente proporcionava. A situação económica e financeira do país era aflitiva. O desequilibro entre as importações e exportações já atingira um défice de 18 mil contos (muito dinheiro para a altura) e as remessas dos emigrantes no Brasil que poderiam atenuar esse desequilibro, continuavam a sofrer os efeitos da baixa da taxa de câmbio resultante da evolução política brasileira.
A economia portuguesa tinha sérias vulnerabilidades. O desenvolvimento era mais aparente do que real, a produção industrial mantinha-se fraca. Simultaneamente, as exportações essencialmente agrícolas entraram em recessão enquanto as importações não paravam de aumentar. Os preços subiam acentuadamente. O grande capital entregava-se a jogos financeiros improdutivos.
Tal como na actualidade, em finais do século XIX, Portugal sofria de um problema de estrutural de sub-desenvolvimento da sua produção nacional, colocando-se numa posição de dependência em relação a potências estrangeiras. Como disse, o sonho da “Quimera Africana” parecia ser uma saída fácil que iria engordar ainda mais a burguesia portuguesa que beneficiava deste modelo, abrindo-lhe novos horizontes inexistentes nos termos da manutenção do status quo, cujas possibilidades de progresso estavam esgotadas!
O problema é que as ambições portuguesas tinham poderosos concorrentes, que rivalizavam na conquista de matérias primas e mercados. Este litígio levou à realização da Conferência de Berlim concluída em 1885 e à posterior elaboração do “Mapa Cor-de-rosa”, que dividia os territórios atribuídos a cada país colonizador. No entanto, há uma decisão tomada na Conferência de Berlim que se veio a revelar complicada para Portugal – foi definido um novo direito público colonial , com o estabelecimento do principio que só a existência de autoridade era capaz de fazer valer e respeitar os direitos adquiridos. Foi substituído o chamado direito histórico, reivindicado por Portugal, pela ocupação efectiva dos territórios, no interesse das maiores potências europeias. A partir desse momento deu-se uma grande corrida à colonização e ocupação dos territórios africanos, ficando Portugal a perder na disputa, por falta de meios humanos, materiais e sobretudo financeiros. Portugal tinha muitos territórios “no papel”, mas em quase todos dominava apenas, e mal, as suas costas.
No entanto, no campo republicano, as limitações e contradições eram “mais do que muitas”. Mesmo entre aqueles que desejavam a República existia a consciência de que o seu movimento carecia de consistência, aspecto decorrente da sua liderança burguesa. Teófilo Braga, membro do Directório do Partido Republicano e que chegou mais tarde a passar pela presidência da República, escreveu em Novembro de 1890 a um conspirador portuense: abrir aspas “se estivermos à espera do levantamento de Lisboa, nunca ele virá, porque esta gente aqui é timorata e cheia de conveniências, tem medo da polícia, da guarda municipal, etc. Para além disso, os dirigentes são elementos velhos, que tudo empatam. A revolução do Porto é que pode acordar esta gente; então, ver-se-à forçada a aderir.” fechar aspas. Faltava também projecto, ou seja, as reivindicações de carácter económico e social assumiam pouco destaque nas prioridades do Partido Republicano, apesar das difíceis condições de vida da generalidade da população, em todo o país, mas no Porto em particular.
Amigos e Camaradas:
A defesa da soberania nacional nos finais do século XIX, assim como nos tempos que correm, era a outra “face da moeda” da luta por melhores condições de vida. Obviamente, tudo estava inter-relacionado, e as pessoas percepcionavam que as razões que levavam o governo real a capitular perante terceiros, eram, na sua raiz, as mesmas que levavam às profundas injustiças sociais existentes.
O ideário republicano, apesar de alguma timidez manifestada pelos líderes republicanos em torno das causas económicas e sociais, teve nesta ordem de questões elementos determinantes para conquistar os estratos da população trabalhadora, mas também sectores da intelectualidade e da pequena-burguesia, para as suas propostas de mudança de regime.
A cidade do Porto era insalubre. A água das fontes e fontanários encontrava-se frequentemente inquinada. O sistema de abastecimento de água era deficiente e apenas em 1887 se iniciou a distribuição domiciliária. Escasseava o alojamento digno e a maioria da população vivia, ou melhor, ia vivendo, com débeis condições de higiene. A taxa de mortalidade era muito alta. Os salários eram baixos e o nº de desempregados, nomeadamente entre os operários, era expressivo, em resultado do encerramento de muitas oficinas.
E ao abordar a questão do desemprego, encontramos outras similitudes com os tempos actuais: não me refiro à óbvia constatação do facto que o drama do desemprego atinge centenas de milhares de portugueses hoje em dia, mas à coincidência das políticas de promoção de emigração de portugueses que no início da década de 90 do século XIX e na actualidade os governos levavam e levam a cabo. Na altura o governo atribuía um subsidio monetário aos que pretendessem sair. A afluência foi tão elevada que houve necessidade de instituir um rateio. Presentemente, o governo ainda não instituiu um subsidiário para o efeito, talvez por motivos orçamentais, mas farta-se de injectar insistentemente na opinião pública a a ideia da “normalização” do caminho da emigração, nomeadamente de jovens qualificados.
As “ilhas de habitação” multiplicam-se como solução de excelência, que é como quem diz opção de remedeio, para dar acolhimento à população operária. Durante 36 anos, entre 1864 e 1900, 64% da habitação construída na cidade do Porto foi deste tipo. No censos de 1900, a cidade do Porto tinha 165 729 habitantes, dos quais cerca de 50 mil habitavam nas 1048 “ilhas”, em 11 129 fogos em média com 15 a 20m2, muitas vezes sem luz nem ventilação. Trinta por cento da população portuense vivia, deste modo, num ambiente extremo de falta de higiene e salubridade.
Se os estabelecimentos de compra de ouro e prata usados estão hoje em cada esquina, vale a pena referir que na segunda metade de oitocentos, uma das imagens de marca da sociedade portuense eram as casas de penhores, instituídas para conceder crédito às camadas populares. O Porto chegou mesmo a ter cerca de uma centena destes estabelecimentos, que se alimentavam das dificuldades económicas das famílias, do desemprego e da baixa de salários. Quando o dinheiro faltava, recorria-se ao penhorista, também chamado de prego, expressão que ainda hoje se mantém.
Foi neste contexto que apareceram também os primeiros albergues nocturnos, vulgarmente chamados de casas de malta, que visavam responder à falta de alojamento e aos preços incomportáveis das habitações, que empurravam muitos para a condição de sem-abrigo. Foi num albergue nocturno que se registou o primeiro caso de peste bubónica, que vitimou um carrejão galego que por cá trabalhava.
Amigos e Camaradas:
Falar do 31 de Janeiro é falar de um Portugal em crise financeira, económica e social. É falar de um Portugal governado em subordinação a interesses estrangeiros, estranhos e contrários ao bem-estar do seu povo e a um desenvolvimento soberano. É falar de uma humilhação resultante da capitulação de governos nacionais, presos a uma certa burguesia que beneficiava com a dependência externa.
Falar do 31 de Janeiro é também falar de luta pela liberdade, de ousadia, de rebeldia e coragem. Falar do 31 de Janeiro é falar de um exemplo de resistência que perdura tantos anos decorridos.
Por tudo isto, falar do 31 de Janeiro é também falar da luta por um Portugal soberano, justo e desenvolvido no séc. XIX. É falar da urgência de uma ruptura com os mecanismos de condicionamento da independência nacional e com o processo de integração capitalista europeu. É falar da recusa de formas de ingerência, chamem-se resgates, programas cautelares ou outro nome qualquer.
Por fim, falar do 31 de Janeiro é apreciar que quando se luta nem sempre se ganha, mas quando não se luta perde-se sempre, e que esta máxima é igualmente válida quando os resultados mais visíveis da luta apenas são atingidos algum tempo mais tarde.
Muito obrigado.
Disse.
Boa tarde Amigos e Camaradas:Para a cidade do Porto e para o país, a revolta de 31 de Janeiro ficou marcada bem fundo como um símbolo de inconformismo, de luta pela liberdade e por melhores condições de vida. Sendo matéria de facto que se tratou de uma revolta que resultou em derrota militar, na qual, portanto, os seus participantes não conseguiram concretizar os seus intentos, penso, no entanto, ser justo concluir que, no plano político, esta não foi inteiramente derrotada, na exacta medida em que alguns anos mais tarde, com o derrube da Monarquia e a instauração da República, os seus objectivos foram satisfeitos.
Olhando com a distancia temporal dos 123 anos que nos separam dos acontecimentos que hoje assinalamos, podemos apreciar que o tempo e modo escolhido pelos revoltosos, nas condições existentes, fazia prever um desfecho do tipo daquele que se verificou. Mas também podemos concluir que se tratou de uma experiência precursora dos acontecimentos de Outubro de 1910 e da conquista da democracia décadas mais tarde..
O 31 de Janeiro continua a perdurar como memória de luta. Foi o 31 de Janeiro que sacralizou “A Portuguesa” como hino nacional e as cores vermelho e verde na nossa bandeira, pois foi o som do nosso hino que entusiasmou os revoltosos e uma bandeira vermelha e verde nos Paços do Concelho que estes saudaram quando de uma janela a República foi proclamada.Os seus organizadores e activistas foram perseguidos pelo poder régio. A consciência do apoio popular ao movimento por parte do regime era tal que o julgamento dos presos realizou-se a bordo de navios de guerra no Porto de Leixões.Muitos daqueles que conseguiram escapar à prisão optaram por exilar-se, por exemplo, em Espanha. Em Madrid, um grupo de signatários publicou o Manifesto dos Emigrados da Revolução Republicana de 31 de Janeiro, no qual comparam a sua experiência com a revolução de 1383 e ao 1º de Dezembro de 1640, ambos processos marcantes em defesa da independência e soberania nacionais.
Tão importante como observarmos a descrição dos factos ocorridos em 1891 é talvez analisarmos as causas fundas que estiveram na génese desta tentativa de revolução, entre as quais aparece com destaque a subordinação dos governantes portugueses a potências estrangeiras e o sentimento de humilhação nacional que tomou conta de grande parte do povo português. Ora, nos tempos que correm, em que o nosso país e o nosso povo são vitimas de uma ingerência externa materializada no Pacto de Agressão subscrito entre a troika estrangeira e a troika nacional e em que se prepara a perpetuação desta ingerência sob a forma de “programas cautelares”, ou chamem-lhe o que quiserem, é incontornável fazermos um paralelismo histórico. Sendo certo que a História não se repete, não deixa de ser importante verificarmos que há coisas que não mudam, e que uma delas é a característica intrínseca das classes dominantes exploradoras e dos governos ao seu serviço de atraiçoarem o seu país se tal for o melhor para os seus cofres.
Tal como em 2011, PS, PSD e CDS subscreveram um “Memorando”, verdadeiro Pacto de Agressão, com instituições ao serviço do grande capital estrangeiro, também em Janeiro 1890, as autoridades nacionais conformaram-se com um “Memorando” (esta foi mesmo a expressão utilizada formalmente) apresentado pela Inglaterra (principal potência da época. Ainda não havia FMI, nem BCE, nem essas coisas...) que exigia o abandono por Portugal de posições em África, numa tentativa bem sucedida de acautelar os interesses expansionistas britânicos nesta região. Este processo ficou para a História como o Ultimato Inglês.
A forma como o governo real de D. Carlos cedeu ao ultimato britânico, face às pretensões territoriais portuguesas em África, expressas no Mapa Cor-de-Rosa no qual Portugal e outros países europeus estabeleceram os termos da exploração colonial, causou uma verdadeira indignação nacional. A monarquia tornou-se símbolo de humilhação e subordinação e a República símbolo de patriotismo e de soberania nacional, embrulhada, na época, em auras de grandeza colonial.
No mesmo ano, em Agosto, dá-se a assinatura do Tratado Aglo-Português, que garantiu direitos aos ingleses em territórios historicamente ocupados por Portugal, e, em 1899, do Tratado de Windsor, que renovava a aliança luso-britânica, que é como quem diz, reforçava as condições de subordinação de Portugal em relação a Inglaterra. Estes actos exaltaram ainda mais os ânimos e fizeram crescer a agitação social. As movimentações alastram. As publicações contrárias à monarquia adquiriram maior expressão. Por esta altura, os governos sucediam-se, mas sem que nada de substancial se alterasse... Portugal encontrava-se numa profunda crise económica e financeira. Com o vasto império há muito amputado da sua parcela mais rica, o Brasil, olhava-se para África como a derradeira oportunidade de salvação – um território virgem, fonte de riquezas sem fim à espera que alguém as explorasse .
Não é de estranhar que as elites portuguesas desejassem a saída fácil para a crise que a “Quimera Africana” supostamente proporcionava. A situação económica e financeira do país era aflitiva. O desequilibro entre as importações e exportações já atingira um défice de 18 mil contos (muito dinheiro para a altura) e as remessas dos emigrantes no Brasil que poderiam atenuar esse desequilibro, continuavam a sofrer os efeitos da baixa da taxa de câmbio resultante da evolução política brasileira. A economia portuguesa tinha sérias vulnerabilidades. O desenvolvimento era mais aparente do que real, a produção industrial mantinha-se fraca. Simultaneamente, as exportações essencialmente agrícolas entraram em recessão enquanto as importações não paravam de aumentar. Os preços subiam acentuadamente. O grande capital entregava-se a jogos financeiros improdutivos. Tal como na actualidade, em finais do século XIX, Portugal sofria de um problema de estrutural de sub-desenvolvimento da sua produção nacional, colocando-se numa posição de dependência em relação a potências estrangeiras.
Como disse, o sonho da “Quimera Africana” parecia ser uma saída fácil que iria engordar ainda mais a burguesia portuguesa que beneficiava deste modelo, abrindo-lhe novos horizontes inexistentes nos termos da manutenção do status quo, cujas possibilidades de progresso estavam esgotadas!O problema é que as ambições portuguesas tinham poderosos concorrentes, que rivalizavam na conquista de matérias primas e mercados. Este litígio levou à realização da Conferência de Berlim concluída em 1885 e à posterior elaboração do “Mapa Cor-de-rosa”, que dividia os territórios atribuídos a cada país colonizador. No entanto, há uma decisão tomada na Conferência de Berlim que se veio a revelar complicada para Portugal – foi definido um novo direito público colonial , com o estabelecimento do principio que só a existência de autoridade era capaz de fazer valer e respeitar os direitos adquiridos. Foi substituído o chamado direito histórico, reivindicado por Portugal, pela ocupação efectiva dos territórios, no interesse das maiores potências europeias.
A partir desse momento deu-se uma grande corrida à colonização e ocupação dos territórios africanos, ficando Portugal a perder na disputa, por falta de meios humanos, materiais e sobretudo financeiros. Portugal tinha muitos territórios “no papel”, mas em quase todos dominava apenas, e mal, as suas costas. No entanto, no campo republicano, as limitações e contradições eram “mais do que muitas”. Mesmo entre aqueles que desejavam a República existia a consciência de que o seu movimento carecia de consistência, aspecto decorrente da sua liderança burguesa. Teófilo Braga, membro do Directório do Partido Republicano e que chegou mais tarde a passar pela presidência da República, escreveu em Novembro de 1890 a um conspirador portuense: abrir aspas “se estivermos à espera do levantamento de Lisboa, nunca ele virá, porque esta gente aqui é timorata e cheia de conveniências, tem medo da polícia, da guarda municipal, etc. Para além disso, os dirigentes são elementos velhos, que tudo empatam. A revolução do Porto é que pode acordar esta gente; então, ver-se-à forçada a aderir.” fechar aspas. Faltava também projecto, ou seja, as reivindicações de carácter económico e social assumiam pouco destaque nas prioridades do Partido Republicano, apesar das difíceis condições de vida da generalidade da população, em todo o país, mas no Porto em particular.
Amigos e Camaradas:
A defesa da soberania nacional nos finais do século XIX, assim como nos tempos que correm, era a outra “face da moeda” da luta por melhores condições de vida. Obviamente, tudo estava inter-relacionado, e as pessoas percepcionavam que as razões que levavam o governo real a capitular perante terceiros, eram, na sua raiz, as mesmas que levavam às profundas injustiças sociais existentes. O ideário republicano, apesar de alguma timidez manifestada pelos líderes republicanos em torno das causas económicas e sociais, teve nesta ordem de questões elementos determinantes para conquistar os estratos da população trabalhadora, mas também sectores da intelectualidade e da pequena-burguesia, para as suas propostas de mudança de regime. A cidade do Porto era insalubre. A água das fontes e fontanários encontrava-se frequentemente inquinada. O sistema de abastecimento de água era deficiente e apenas em 1887 se iniciou a distribuição domiciliária. Escasseava o alojamento digno e a maioria da população vivia, ou melhor, ia vivendo, com débeis condições de higiene. A taxa de mortalidade era muito alta. Os salários eram baixos e o nº de desempregados, nomeadamente entre os operários, era expressivo, em resultado do encerramento de muitas oficinas.
E ao abordar a questão do desemprego, encontramos outras similitudes com os tempos actuais: não me refiro à óbvia constatação do facto que o drama do desemprego atinge centenas de milhares de portugueses hoje em dia, mas à coincidência das políticas de promoção de emigração de portugueses que no início da década de 90 do século XIX e na actualidade os governos levavam e levam a cabo. Na altura o governo atribuía um subsidio monetário aos que pretendessem sair. A afluência foi tão elevada que houve necessidade de instituir um rateio.
Presentemente, o governo ainda não instituiu um subsidiário para o efeito, talvez por motivos orçamentais, mas farta-se de injectar insistentemente na opinião pública a a ideia da “normalização” do caminho da emigração, nomeadamente de jovens qualificados.As “ilhas de habitação” multiplicam-se como solução de excelência, que é como quem diz opção de remedeio, para dar acolhimento à população operária. Durante 36 anos, entre 1864 e 1900, 64% da habitação construída na cidade do Porto foi deste tipo. No censos de 1900, a cidade do Porto tinha 165 729 habitantes, dos quais cerca de 50 mil habitavam nas 1048 “ilhas”, em 11 129 fogos em média com 15 a 20m2, muitas vezes sem luz nem ventilação. Trinta por cento da população portuense vivia, deste modo, num ambiente extremo de falta de higiene e salubridade.Se os estabelecimentos de compra de ouro e prata usados estão hoje em cada esquina, vale a pena referir que na segunda metade de oitocentos, uma das imagens de marca da sociedade portuense eram as casas de penhores, instituídas para conceder crédito às camadas populares.
O Porto chegou mesmo a ter cerca de uma centena destes estabelecimentos, que se alimentavam das dificuldades económicas das famílias, do desemprego e da baixa de salários. Quando o dinheiro faltava, recorria-se ao penhorista, também chamado de prego, expressão que ainda hoje se mantém.Foi neste contexto que apareceram também os primeiros albergues nocturnos, vulgarmente chamados de casas de malta, que visavam responder à falta de alojamento e aos preços incomportáveis das habitações, que empurravam muitos para a condição de sem-abrigo. Foi num albergue nocturno que se registou o primeiro caso de peste bubónica, que vitimou um carrejão galego que por cá trabalhava.
Amigos e Camaradas:
Falar do 31 de Janeiro é falar de um Portugal em crise financeira, económica e social. É falar de um Portugal governado em subordinação a interesses estrangeiros, estranhos e contrários ao bem-estar do seu povo e a um desenvolvimento soberano. É falar de uma humilhação resultante da capitulação de governos nacionais, presos a uma certa burguesia que beneficiava com a dependência externa. Falar do 31 de Janeiro é também falar de luta pela liberdade, de ousadia, de rebeldia e coragem. Falar do 31 de Janeiro é falar de um exemplo de resistência que perdura tantos anos decorridos.
Por tudo isto, falar do 31 de Janeiro é também falar da luta por um Portugal soberano, justo e desenvolvido no séc. XIX. É falar da urgência de uma ruptura com os mecanismos de condicionamento da independência nacional e com o processo de integração capitalista europeu. É falar da recusa de formas de ingerência, chamem-se resgates, programas cautelares ou outro nome qualquer.
Por fim, falar do 31 de Janeiro é apreciar que quando se luta nem sempre se ganha, mas quando não se luta perde-se sempre, e que esta máxima é igualmente válida quando os resultados mais visíveis da luta apenas são atingidos algum tempo mais tarde.
Muito obrigado.
Disse.