Trabalho
Mandato Aberto sobre os problemas do comércio e a liberalização dos horários das grandes superfícies
Desde que abriu o primeiro hipermercado em 1984 em Matosinhos, os grandes grupos económicos, através da APED, encetaram várias iniciativas para imporem novos hábitos e rotinas de consumo, de que são exemplo os centros comerciais e as grandes superfícies, que tiveram efeitos negativos no emprego com o encerramento de milhares de pequenas empresas, empurrando desde então para o desemprego mais de 25.000 trabalhadores, só no distrito do Porto.
Dada a gravidade desta matéria e as suas consequências perversas no comércio de proximidade,o PCP promoveu, no âmbito da sua actividade parlamentar, este mandato aberto para auscultar instituições ligadas ao meio, nomeadamente o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Escritórios, a Associação dos Comerciantes do Porto e a Associação Comercial e Industrial de Gondomar.
Na situação actual é de evidente saturação da oferta, sobretudo tendo em conta a crescente diminuição da capacidade aquisitiva da generalidade da população. A demonstrar isto estão vários centros comerciais e grandes lojas do distrito do Porto que, ou já fecharam ou enfrentam sérias dificuldades de rentabilidade.
A rápida e descontrolada abertura deste tipo de estabelecimentos levou a que no final de 2009 o País tenha visto a Área Bruta Locável (construída ou licenciada) aumentar, numa década, 4 milhões de metros quadrados. Portugal passava a ser um recordista na EU com mais de 400 metros quadrados de superfície comercial por mil habitantes, um valor que supera o de países como a Suécia, cujo ratio é de 380 metros quadrados por mil habitantes, mas que, entretanto, apresenta um PIB per capita quase 2,5 vezes superior ao português.
O distrito do Porto tem actualmente dezenas de centros comerciais e grandes superfícies e centenas de médias e pequenas unidades de distribuição.
Entre 2004 e 2009, foram licenciados 75 novos conjuntos comerciais e mais de 2 milhões de metros quadrados de nova área comercial no país. Segundo o European Shopping Center Development, estudo da consultora imobiliária Cushman e Wakefield, até 2012 no Grande Porto devem ser inaugurados 516 mil m2 apenas de centros comerciais.
Aqueles que procuram caracterizar as Grandes Superfícies como criadoras de emprego e dinamizadoras da economia, omitem o grande peso que tal via acarreta para o País com a supressão de milhares de empregos no sector do comércio tradicional, e que não são de forma alguma compensados pelos postos de trabalho - cada vez mais precários e mal remunerados – que são criados no seu lugar. Sobre esta matéria, estima-se que por cada posto de trabalho criado nas Grandes Superfícies 4 postos de trabalho são extintos no Comércio Tradicional. Na verdade, para além de extinguirem directamente postos de trabalho no Comércio Tradicional, os grandes grupos da Distribuição monopolizam fornecedores e condicionam o mercado segundo o seu interesse.
Importa também referir que ao contrário do que as grandes superfícies afirmam o alargamento dos horários leva a um acentuar da exploração dos seus trabalhadores porque, usando e abusando, das novas regras do código do trabalho aumentam as horas de trabalho dos actuais trabalhadores das grandes superfícies sem que estes recebam mais salário. Na verdade o uso de figuras da chamada adaptabilidade, aumentam a exploração e não criam um único posto de trabalho. A recente decisão do Governo de transferir para as autarquias competências em matéria de horários de funcionamento dos estabelecimentos, evidentemente aponta para uma total liberalização dos horários comerciais e vem agravar ainda mais a situação. Já existiam cerca de 2500 Grandes Superfícies “legalmente” abertas aos domingos, e a recente decisão do Conselho de Ministros permite a possível abertura ao domingo de aproximadamente 155 unidades anteriormente proibidas de o fazer.
É mais um exemplo da forma como o Governo acrescenta “crise à crise”, sempre tendo em linha de conta os interesses dos grandes grupos económicos, mas a população necessita de maior poder de compra, mais do que precisa de horários alargados para as suas compras!
Paradoxalmente, num sector onde já grassa uma liberalização completa, se bem que porventura disfarçada, abundam os exemplos no distrito do Porto de “Centros Comerciais fantasma” que atravessam situações de penúria, num cenário de morte anunciada, que o elevado número de unidades recentemente inauguradas, a que se somam outras previstas inaugurar, só poderá vir a agravar. Atente-se, a título de exemplo, em alguns casos no distrito do Porto: Trindad Domus/Porto; Outlet Grijó/Gaia; Shopping Laranjeiro/Porto; Galerias Pedro Cem/Porto; Centro Comercial Invictus/Porto; Ferrara Plaza/Paços de Ferreira; Centro Comercial Venepor/Maia…
Estes são os factos da realidade portuguesa, e não se compadecem com visões mistificadoras que procuram legitimar os interesses todo-poderosos das grandes empresas. Há Câmaras Municipais no distrito, como Gaia e Matosinhos, que apostam na quase “monocultura” dos centros comerciais sem preocupações sobre as implicações a prazo no ambiente, na mobilidade e a qualidade dos empregos criados.
Os novos centros comerciais são anunciados como exemplos de “empreendorismo” e como sinais de “desenvolvimento económico” - ver declarações de Rui Rio aquando da inauguração do Trindad Domus - para de seguida encontrarem o fracasso.
Não é por acaso que um recente estudo da consultora Jones Lang LaSalle, aponta a região do Grande Porto como aquela no País onde se concentra a maior área de equipamentos comerciais com necessidade de intervenção para reposicionamento comercial ou remodelação total.
Por outro lado, frequentemente as Câmaras Municipais atribuem elevados benefícios aos grupos económicos envolvidos e chegam mesmo a por em causa políticas urbanísticas, não acautelando devidamente matérias como o impacto ambiental resultante e as acessibilidades.
Estes exemplos devem servir para colocar na ordem do dia a necessidade de um efectivo ordenamento do comércio, que por um lado tenha em conta as necessidades da população, e que pelo outro encontre o equilíbrio entre as Grandes Superfícies e o sector das micro e pequenas empresas que dominam o comércio tradicional.
Travar a desertificação dos centros urbanos e defender a existência de emprego com direitos no sector do comércio, só será possível criando regras que equilibrem a concorrência entre o comércio independente de rua, de micro e pequenas empresas, com o instalado nas Grandes Superfícies.
Hoje mesmo deu entrada nos serviços da Assembleia Metropolitana do Porto um requerimento dos deputados metropolitanos da CDU com vista a que a Junta Metropolitana esclareça a sua posição nesta matéria, perguntando se este órgão pensa envidar esforços a nível supra-municipal para impedir o alargamento dos horários actualmente em vigor.
O PCP não deixará de tomar todas as medidas que estiverem ao seu alcance para impedir a concretização desta liberalização completa dos horários comerciais, estando já anunciada uma nova iniciativa de apreciação parlamentar, logo que seja publicada a nova lei.
Por outro lado, e face à recentemente anunciada nova legislação que liberaliza completamente os horários de funcionamento de todas as grandes superfícies comerciais, em que o Governo age como Pilatos e passa para as autarquias a responsabilidade total pela fixação do regime horário, o PCP anunciou já que tem preparada uma iniciativa para requerer a apreciação parlamentar do respectivo Decreto-lei, a qual será entregue logo que seja publicada a nova legislação governamental.
Perante as preocupantes perspectivas de maiores cedências de PS, PSD e CDS, do Governo e de várias autarquias do distrito aos grupos das Grandes Superfícies, a DORP do PCP apela aos trabalhadores, clientes e pequenos e médios empresários do comércio para que se mobilizem contra a liberalização dos horários de funcionamento do comércio, apoiando activamente a iniciativa que o PCP tomou para revogar a legislação do Governo que visa liberalizar de forma indiscriminada o horário de funcionamento das grandes superfícies.
Porto, 27 de Setembro de 2010
A DORP do PCP