O desenvolvimento do surto epidémico de COVID-19, veio expor e agravar contradições, fragilidades e problemas já existentes no Ensino Superior.
A situação actual está a ser apresentada por alguns como “bilhete só de ida para o futuro”, para uma “nova realidade”, para um ensino superior diferente.
Uma “nova realidade” assente na tentativa de normalizar soluções temporárias e, diga-se, bastante discutíveis do estado de emergência e das circunstâncias excepcionais associadas ao surto epidémico. Circunstâncias que evidenciaram os défices estruturais do Ensino Superior, decorrentes da incapacidade do governo de responder às necessidades dos estudantes e do país, e do seu compromisso com a política de direita, com os ditames da UE e do euro e com os interesses do grande capital; na mesma medida em que evidenciam a necessidade de uma política alternativa que coloque o ensino superior ao serviço dos estudantes, do povo, do país e das forças produtivas.
Vejamos alguns problemas nas Instituições do Ensino Superior do Porto:
1 – O funcionamento do ensino à distância em contexto do surto epidémico
A adaptação ao modelo de ensino à distância tardou e não contemplou a totalidade das unidades curriculares. O corpo docente impreparado para esta realidade, teve, frequentemente, grandes dificuldades em acompanhar a transição.
Da parte das próprias instituições verificaram-se limitações, que resultaram em grandes assimetrias entre unidades orgânicas, cursos e turmas e numa multiplicidade de plataformas a serem usadas pelo mesmo estudante.
Se o governo já não valorizava a Acção Social Escolar e não olhava às discrepâncias sociais e económicas existentes entre estudantes, no momento que atravessamos demonstrou-se completamente incapaz de dar resposta às necessidades daqueles que não possuíam os meios necessários para ter aulas a partir de casa.
Do ponto de vista pedagógico a transição para um modelo de ensino à distância veio pôr em causa o acesso e qualidade do ensino, bem como a componente prática de inúmeros cursos, que foi substituída por instrumentos de avaliação que têm apenas em consideração o plano teórico ou elementos práticos insuficientes.
2 – A avaliação contínua posta em causa e incerteza quanto ao fim do ano lectivo
A avaliação contínua, a reboque do processo de Bolonha, está a ser liquidada, com a maioria das avaliações a serem reduzidas a um trabalho ou exame final. As naturais limitações de um modelo que não permite a docentes e estudantes o contacto direto em sala de aula, têm sido colmatadas com uma carga de trabalhos desproporcional, que põe em causa a saúde mental dos estudantes que atravessaram, fruto das circunstâncias, situações de grande stress.
Mantém-se a incerteza de muitos relativamente a prazos de entrega de trabalhos e dissertações e à compatibilidade dos mesmos com as candidaturas a mestrados e doutoramentos.
Verificaram-se dificuldades no acesso a bibliografia em instituições como a FLUP ou a FDUP e métodos de avaliação anedóticos em instituições como a FBAUP ou a ESMAE.
3- Propinas afastam alunos do acesso a graus mais elevados de formação
Se a propina era já a principal barreira ao acesso e frequência no ensino superior, num quadro de redução generalizada dos rendimentos dos trabalhadores e das famílias, e em que a qualidade pedagógica do ensino não é assegurada, ganha ainda mais força a necessidade de um Ensino Superior sem propinas, outras taxas e taxinhas.
Se havia já um grave défice do ponto de vista do alojamento estudantil, com uma gritante falta de residências públicas e de quartos, acompanhamos com preocupação que, há à boleia do surto, se procure reduzir o número de camas disponíveis e se empurrem estudantes deslocados para fora das residências. Se a propina era, aquando da sua criação, uma medida temporária, tememos que da mesma forma o ensino à distância, sob a capa da ameaça de uma segunda vaga e de uma suposta modernidade, se perpetue pondo em causa o Ensino Superior público e de qualidade que conquistamos com Abril e por que tanto os estudantes lutaram.
4- Cantinas e Residências fechadas, problemas agravados
Durante a época de exames, e não sabendo ainda muitos se as suas avaliações seriam ou não presenciais, foi colocado aos estudantes deslocados o abandono das residências ou o pagamento de mais um mês para nelas poderem permanecer, numa fase em que o pagamento das mensalidades perde todo o sentido, agravando os problemas e acrescentando dificuldades aos alunos deslocados com maiores carências económicas.
5- Ataques aos direitos
Também no quadro dos direitos e liberdades democráticas identificamos tendências preocupantes, limitadoras da capacidade de organização juvenil, como o impedimento da entrada em faculdades para a realização de ações de contacto. Os estudantes internacionais da UP sentem também na pele o resultado do desinvestimento crónico no Ensino Superior, e da constante procura por parte das instituições de mecanismos de autofinanciamento que se traduzem, neste caso particular, o aumento do valor das suas propinas.
6- Necessidade urgente de obras
A JCP chama particular atenção para a necessidade de, nos próximos 3 meses, assegurar um plano de intervenção em vários edifícios do Ensino Superior da região, para resolver os problemas mais graves nos edifícios, designadamente na faculdade de Belas Artes (onde chove dentro das salas de aula), na Faculdade de Letras (onde a falta de espaço continua a ser um problema), ou na ESMAE (onde os alunos de teatro ensaiam em salas com buracos).
Uma outra política, também no Ensino Superior
A luta por uma política alternativa patriótica e de esquerda é cada vez mais atual e necessária, perfilando-se como a única capaz de responder aos grandes desafios que temos pela frente, que projeta no futuro de Portugal os valores de Abril, por um Ensino Superior sem barreiras económicas, com uma avaliação justa e contínua, democrático e de qualidade, ao serviço do povo dos trabalhadores e do país, alavanca fundamental do desenvolvimento e progresso económico e social.
Esta é uma luta na qual a JCP está empenhada e para a qual apela aos estudantes que se mobilizem, certos de que será a mobilização e luta dos estudantes em defesa dos seus interesses e dos seus direitos que contribuirá decisivamente para assegurar o ensino Superior a que temos direito.
Porto, 8 de Junho de 2020
A Comissão Regional do Porto da Juventude Comunista Portuguesa