Educação
Sobre o anúncio da criação de Consórcios no Ensino Superior Público
Ao desinvestimento acresce o congelamento da progressão da carreira, o completo bloqueio de novas contratações de docentes e a consequente crescente precarização da carreira, a par da diminuição e envelhecimento do corpo docente e da degradação das condições de ensino e de investigação. Ao que acresce a política de cortes sucessivos nas bolsas de doutoramento e pós-doc e no financiamento das acções de Investigação e Desenvolvimento de que a última avaliação das unidades de investigação por parte da FCT, é exemplo acabado.
A constituição de consórcios, num quadro de ausência de legislação que enquadre a sua criação e funcionamento, envolvendo a Norte as Universidades do Porto, Minho e Trás-os-Montes (a que designaram de UNorte.pt) e mais recentemente o anúncio de um outro a formalizar até Abril, envolvendo as Universidades de Aveiro, Coimbra e Beira Interior, é apresentado como resposta ao contexto das grandes dificuldades em que vivem.
Sendo cedo para avaliar quer os propósitos, quer as reais implicações, é desde já certo que não é com iniciativas isoladas e não coordenadas que se poderá levar a bom porto a anunciada reestruturação da rede pública de Ensino Superior que, de vez em quando, emerge no discurso oficial do governo. Tanto mais quanto estas decisões estão a ser tomadas sem o envolvimento da comunidade académica numa matéria de inquestionável importância.
Segundo as declarações públicas dos reitores das universidades envolvidas, trata-se de consórcios que visam maximizar a obtenção de fundos do novo quadro comunitário mediante a apresentação de projectos de maior escala, não só de escala física (universo de alunos, professores, produtividade científica, etc) como da “escala” da missão de cada instituição, como, por exemplo, a combinação da importância regional da UTAD ou da UBI, como nível científico da UPorto e UAveiro respectivamente.
Esta combinação “forçada” de universidades com missões tão diferenciadas e uma abrangência territorial tão alargada contraria o ordenamento regional que o governo vem advogando, justificando assim o encerramento de cursos no Politécnico por serem “duplicados” dos cursos existentes na Universidade.
O PCP chama a atenção para o mais que provável agravamento do fosso inerente ao sistema binário Politécnico/Universidade e ao aumento da estigmatização de instituições que deviam ser complementares, e para uma possível estratégia do governo de fusões e encerramento de instituições, departamentos e cursos. Em nome de uma eficiência cujo objectivo é aprofundar a diferenciação orientando o Politécnico para as formações curtas, de profissionalização , até aqui tidas como ensino pós-secundário não superior. Tal opção política não se traduzirá na elevação da cultura científica da população, nem na capacidade dos indivíduos para fazer frente à situação económica e social que o País atravessa.
A rede pública de Ensino Superior deve atentar às necessidades regionais e nacionais e ser dotada dos recursos necessários para que não seja forçada a sobreviver pela via de tarefas que não são matriciais e fundamentais. A Universidade e o Politécnico devem pois ter asseguradas as suas capacidade e vitalidade pela via do Orçamento do Estado, deixando a prestação de serviços para o mundo empresarial, público ou privado, e as funções de soberania ou de prestação de serviços na área das “outras actividades de Ciência e Tecnologia” para os laboratórios, principalmente para os laboratórios do Estado. A investigação, a criação e difusão do saber e da tecnologia devem ser cumpridas pela Academia, dotada que seja dos meios para o fazer.
O problema do Ensino Superior Público em Portugal não é a dispersão da rede – aliás, adequada ao território – nem tão pouco a falta de sinergias entre instituições. O principal problema do Ensino Superior Público em Portugal é o seu subfinanciamento e a real incapacidade de consolidar massa crítica estável para a alimentação das necessidade do Sistema Científico e Tecnológico Nacional, e da Economia.
O modelo de competição entre instituições e a sua total subordinação aos preceitos mercantilistas do processo de Bolonha, é expressão da organização da rede pública de Ensino Superior em função de objectivos de desresponsabilização do Estado nesta função social e a transformação de um direito constitucional num negócio altamente lucrativo para os grupos económicos nacionais e internacionais.
O PCP, defendendo que a rede de Ensino Superior funcione como uma verdadeira rede e não como um mapa de instituições isoladas em competição constante entre si, reclama a ruptura com a política de destruição do Ensino Superior Público e propõe uma verdadeira aposta no conhecimento e na tecnologia como passos necessários para a superação dos problemas estruturais do País, designadamente:
a definição de um plano estratégico de investimento no Ensino Superior Público, que eleve gradualmente o financiamento público das instituições até à total supressão da necessidade do pagamento de propinas em cinco anos;
o estabelecimento de um plano nacional de objectivos de qualificação e formação, discutido e elaborado com todas as instituições públicas e comunidades educativas, visando o aumento significativo do número de estudantes no Ensino Superior;
a garantia do carácter unitário do Sistema de Ensino Superior Público, sem prejuízo das diferentes missões do universo do universitário e Politécnicos;
a promoção de um amplo e profundo debate nacional sobre a distribuição social, económica e geográfica das instituições de Ensino Superior Público, privilegiando a rede pública, assegurando que nenhuma instituição pública seja encerrada, salvaguardando características especificas da interioridade e necessidade de coesão territorial;
a salvaguarda de todos os postos de trabalho do pessoal docente, investigadores e pessoal não docente, independentemente da natureza do vínculo;
o reforço da acção social escolar directa, através do aumento do valor das bolsas de estudo e do número de estudantes elegíveis, e da acção social indirecta com a transferência do financiamento público adequado às universidades e politécnicos para assegurar serviços de alimentação, alojamento, transportes e apoio médico de qualidade, e a preços acessíveis.