Intervenção de Ilda Figueiredo, membro do Comité Central do PCP

Seminário “A União Bancária - Um passo mais na integração capitalista europeia”

20160407_ildafigueiredoControlo público da banca

Quando, há 40 anos, a Constituição da República Portuguesa consagrou a subordinação do poder económico ao poder político democrático e quando, ainda hoje, mantém esse princípio fundamental no seu artigo 80º , apesar das sete revisões constitucionais, a que acrescenta, no artigo 81º  relativamente às incumbências prioritárias do Estado, que lhe cabe, no âmbito económico e social, “assegurar  a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do sector público”, e “promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo, entre o litoral e o interior”,  tornou claro um caminho democrático de políticas públicas que deveriam ser o suporte do desenvolvimento progressista de Portugal, onde o sector financeiro é um dos mais estratégicos.
Sabemos, no entanto, que não foi esse o caminho seguido por sucessivos governos e sucessivas maiorias na Assembleia da República, também com as consequências que são conhecidas. Os argumentos da defesa das privatizações da banca e de todo o sector financeiro que o pretexto da adesão à então CEE nos anos oitenta do século passado as forças dominantes no país (PSD e PS com apoio do CDS) apresentaram como a solução para o crescimento económico estão hoje completamente derrotados e desmascarados pelos sucessivos escândalos dos bancos privados, designadamente BPN, BPP, BES/GES e BANIF, a que vão acrescendo outros  como a revelação dos documentos no âmbito dos “Papeis do Panamá ” a chamar a atenção para o papel dos centros off-shore/paraísos fiscais para os grupos económicos e financeiros e outras organizações e titulares de fortunas que, na busca de rendimentos máximos ou da ocultação da proveniência ou destino do capital, desenvolvem operações de planeamento e engenharia fiscal, de branqueamento de capitais visando aumentar os lucros além das limitações e imposições legais e fiscais dos países em que operam, bem como financiar ou obter proveitos da atividade criminosa.
A entrada do euro e as políticas de integração capitalista que lhe estão associadas, designadamente a intervenção do BCE, o Pacto de Estabilidade, o euro +,  o tratado orçamental e, agora, a união bancária, tornaram ainda mais claras as consequências de toda a liberalização do mercado de capitais, liberalização essa que tem facilitado a centralização e concentração através da destruição dos países mais frágeis, como Portugal, a sua banca e a sua economia são disso exemplo.
Nada do que se está a passar é novo. Há dezenas de anos que o PCP e os seus eleitos nos vários órgãos institucionais têm denunciado estas situações e exigido que haja um controlo público da banca  e se ponha fim aos paraísos fiscais. Sou testemunha disso, porque ao longo da vida o fiz inúmeras vezes, quer na Assembleia da República, quer no Parlamento Europeu. O PCP apresentou inúmeras vezes propostas que, se tivessem sido adoptadas, teriam salvaguardado o país, a sua economia, a maioria dos empresários, os trabalhadores e a população em geral, da grave situação que vivemos .
Após a revolução de Abril, tivemos oportunidade de ver como os grupos económicos e financeiros durante o fascismo, teciam teias claras entre si para  criar esquemas complexos de fuga aos impostos, de fuga ou de branqueamento de capitais, bem como para concretizar operações financeiras entre empresas de forma a inflacionar artificialmente os lucros ou ocultar dívida.  Essas também foram razões que levaram, nessa época, à nacionalização da banca e outros sectores fundamentais da economia, como a energia, e à intervenção pública em diversas empresas, para impedir o seu encerramento, o desemprego, a fuga de capitais e para permitir apoio aos pequenos e médios empresários em condições vantajosas, no mínimo de igualdade com as grandes empresas.
Quando hoje estudiosos independentes consideram que haverá cerca de 70 mil milhões de euros portugueses em paraísos fiscais, ou seja, um valor idêntico ao que serviu de pretexto para a Troika impor aos portugueses a política de regressão de direitos e de empobrecimento dos últimos anos, pode-se ver quão longe foram nesta política capitalista de concentração e centralização da riqueza  que a União Europeia procura concretizar ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros de que o  BANIF é um triste exemplo.  Se, a curto prazo, este caminho não for invertido, teremos a destruição do pouco que ainda resta de alavanca financeira pública e portuguesa para intervir na economia no sentido que os  artigos 80 º e  81º da CRP consagram, e que já referi.
A eficácia de políticas públicas de apoio ao desenvolvimento económico e social, designadamente através de um sistema fiscal e de um sistema jurídico e financeiro exige que não haja zonas fechadas, onde o secretismo impera e onde tudo é permitido, como acontece com as ditas zonas francas, os off - shores, os paraísos fiscais, e implica que o Estado disponha de meios de intervenção que  assegurem a igualdade de oportunidades de forma a operar as necessárias correcções seja das desigualdades sociais na distribuição da riqueza e do rendimento, seja das assimetrias territoriais, o que só será possível com a subordinação do poder económico ao poder político democrático, onde , como hoje volta a estar claro para  vastas camadas da população portuguesa, haja o controlo público da banca e da generalidade do sector financeiro.
Só o controlo público da banca pode permitir a canalização de importantes meios financeiros para a produção e o progresso social, para a intervenção clara a favor das micro, pequenas e médias empresas, para o apoio a zonas carenciadas e sectores em dificuldade, para dificultar a fuga de capitais  produzidos em Portugal.
Mais do que nunca, exige-se o cumprimento das normas constitucionais e a retoma da soberania portuguesa sobre os nossos recursos estratégicos, de que o sector financeiro é um dos principais.
A apresentação de vários projectos de lei por parte do Grupo Parlamentar do PCP são já instrumentos muito válidos e contributos importantes para impedir que continue a actual situação. Assim haja vontade política para os aprovar e concretizar na defesa dos interesses nacionais e do progresso do país.