Intervenção de Jaime Toga, membro da Comissão Política do PCP
Encerramos com esta sessão a exposição evocativa da “Revolução Republicana de 1910 na História da Luta do Povo Português”, aqui no Centro Unesco.
Uma exposição completamente silenciada pela comunicação social dominante e concebida num contexto em que se sabia à partida que as celebrações oficiais do Centenário da República estariam envoltas numa grande operação ideológica ao serviço das classes dominantes e dos partidos que as sustentam. Aliás, o Militante de Janeiro alertava que “as comemorações vão servir de pretexto e suporte para projectar dos dirigentes republicanos e da República uma imagem idealizada sem correspondência com a realidade concreta da intensa luta de classes que marcou os dezasseis anos da sua existência. Ou mesmo para procurar reescrever os últimos cem anos da nossa história apagando o papel da classe operária e das massas populares e a contribuição decisiva do PCP para os avanços libertadores do povo português, banalizando o fascismo, diminuindo o alcance da Revolução de Abril, promovendo forças e personalidades burguesas, a começar pela Maçonaria e área do Partido Socialista.”
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É o que está a acontecer. Atente-se nas intervenções do Presidente da
República ou do Primeiro Ministro na passada semana, aqui no Porto, na
abertura das comemorações oficiais. Nem um nem outro se referiram ao
significado que assumiu o 31 de Janeiro e o 5 de Outubro na resistência
ao fascismo. Nem um nem outro se referiram à luta de classes e ao seu
papel nos avanços alcançados. Nem um nem outro se referiram à revolução
de Abril.
O PCP não ignora que a implantação da República culminou um longo
processo de luta contra a Monarquia e a sua política ultrapassada e
corrupta.
Que a implantação da República deu um forte impulso à intervenção popular na vida política e social, que estimulou a formação em todo o país de centenas de colectividades e a dinamização cultural do país.
Não ignoramos, antes valorizamos os avanços conseguidos, nomeadamente o descanso semanal obrigatório, as leis sobre liberdade de imprensa, inquilinato, família, divorcio, separação da igreja do estado e as reformas do ensino.
Mas também não ignoramos que o país continuava a ser colonialista e subserviente às grandes potências imperialistas. Que a República reprimiu violentamente justas reivindicações e lutas dos trabalhadores. Que a acção dos governos republicanos não correspondeu às aspirações das massas. Que 75% da população não tinha direito a voto; não foi reconhecido de imediato o horário de 8 horas de trabalho; não houve qualquer medida tomada em favor do proletariado rural ou para a reforma agrária; algumas medidas positivas para os trabalhadores não foram cumpridas pelo patronado com a cumplicidade do governo. Que houve fortes resistências e uma forte mobilização popular contra a participação de Portugal na Grande Guerra.
Para nós, o Partido Comunista Português, não se pode assinalar a Revolução de 1910 sem referir que esta foi uma revolução com forte participação popular, mas de que a burguesia se apoderou, nem esquecendo as condições que permitiram o avanço e o triunfo das forças mais reaccionárias e do grande capital no golpe militar de 28 de Maio de 1926 que abriu caminho a quase meio século de ditadura fascista, sob a cortina da “estabilidade” e da “ordem”.
Esta exposição, que hoje encerramos, dedica ainda parte importante à longa noite fascista e às suas consequências para o nosso povo: o fim da liberdade de expressão, de reunião e de associação; a censura; a proibição dos partidos políticos e a fascização dos sindicatos; o ataque aos direitos laborais e a intensificação da exploração; a miséria; a fome; as torturas e as mortes.
Sob a ditadura fascista todos os partidos republicanos e o partido socialista desagregaram-se, autodissolveram-se ou capitularam.
O PCP foi o único Partido a resistir aos 48 anos de fascismo. Organizou-se na clandestinidade, não capitulou perante a repressão e as dificuldades, teve um papel de vanguarda e uma acção determinante e ímpar na luta pelo derrube do fascismo e na conquista da liberdade em 25 de Abril de 1974.
Uma revolução que, contrariamente à de 1910, teve um conteúdo popular e uma participação autónoma dos trabalhadores enquanto força social. Em 1974 a classe operária conseguiu grandes progressos em matéria de direitos, liberdades e garantias e contou com o apoio do seu partido político revolucionário na luta por uma política ao serviço do povo e do país, pela liquidação do poder económico dos grupos monopolistas.
Apesar do avanço da contra-revolução e de sucessivas revisões da Constituição da República resultante da revolução de 1974, ainda hoje persistem as conquistas e muitos dos grandes avanços alcançados com o 25 de Abril.
Hoje, 100 anos depois do derrube da Monarquia e 36 anos depois da revolução de Abril, é completamente actual o combate pela defesa dos avanços civilizacionais alcançados pelo nosso povo no último século.
A tentativa de acabar com a contratação colectiva, com a jornada de 8 horas de trabalho e com a liberdade sindical são prioridades do patronato apoiado por um PS que no governo tem optado por seguir as mesmas políticas que PSD e CDS.
A Escola Pública, que a Constituição de Abril consagra, tem sido violentamente mutilada.
A Saúde é cada vez menos um direito e cada vez mais um negócio ao serviço do grande capital.
A Segurança Social tem sido alvo de grandes ataques, tentativa de descaracterização e descapitalização.
Os partidos da política de direita procuram fazer esquecer a Democracia – nas suas vertentes económica, política, social e cultural. Em troca acenam-nos com o “direito” de voto, como se se esgotasse aí a Democracia de Abril.
A subserviência aos interesses das grandes potências é a realidade que conhecemos. Veja-se a aprovação do Tratado de Lisboa sem Referendo, veja-se a destruição do nosso aparelho produtivo por imposição de interesses ditos europeus, veja-se agora a nova vaga de sacrifícios que o governo quer impor para conter o deficit e cumprir os critérios que outros dizem que temos que cumprir.
O argumento da “estabilidade”, que serviu de cortina ao avanço do fascismo em 1926, é agora evocado novamente para acentuar a exploração de quem vive do seu trabalho e para que o PS procure impor a sua política ignorando que perdeu a maioria absoluta. Veja-se a recente chantagem em torno da Lei das finanças regionais e a dramatização do governo PS. O mesmo Governo que ameaça demitir-se por 50 Milhões de euros é o que inscreve na proposta de Orçamento de Estado uma verba em benefícios fiscais de mais de 1.000 Milhões de euros para o offshore da Madeira.
Camaradas,
Mesmo reconhecendo as profundas diferenças entre a realidade que hoje vivemos e o contexto em que foi derrubada a Monarquia há 100 anos, é com confiança no futuro que nós, os comunistas portugueses, assinalamos a Revolução Republicana de 1910.
Uma confiança alicerçada na justeza do nosso Projecto político, que tem presente os justos anseios do nosso povo e a defesa de avanços e conquistas alcançados com a Revolução de 25 de Abril de 1974 e consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Uma confiança de quem identifica os seus ideais e objectivos com as aspirações do povo português e considera que só a luta dos trabalhadores e do povo imporá uma ruptura e mudança de políticas capaz de impor as necessárias e justas transformações que assegurem um país com futuro.
Com os trabalhadores e o povo, por Abril, pelo Socialismo.