Porto
Análise à proposta de Orçamento da Câmara Municipal do Porto para 2017 - Um orçamento a pensar nas eleições autárquicas
Esta proposta sofre de vícios que Rui Moreira frequentes vezes criticou nos políticos dos “partidos”, para defender um estatuto de “independente” que, de fato, não merece.
Com esta proposta, a coligação Rui Moreira/CDS/PS, alargada a vereadores do PSD, apresenta um orçamento municipal a pensar nas eleições autárquicas.
Demonstração disso mesmo é a gestão da divulgação do conteúdo da proposta, cuja informação pública foi feita a “conta-gotas”, de forma a potenciar a divulgação mediática de elementos que pretendem que a opinião pública assimile, sem naturalmente permitir o adequado e necessário contraditório.
Sendo certo que o orçamento são apenas intenções, cuja execução cabal só saberemos no final de 2017, depois das eleições, a proposta comporta aspetos que são em si mesmo positivos e vão em linha com algumas das reclamações que a CDU tem vindo a fazer ao longo deste mandato, apesar de continuarem aquém das necessidade e possibilidades.
Disso são exemplos a proposta de redução da taxa de IMI e a intenção de reforçar significativamente o investimento municipal, nomeadamente na requalificação do espaço público e dos bairros sociais.
Dito isto, é importante referir que persistem bloqueios graves, como ao nível da reabilitação urbana, assim como se mantém a persecução de opções estratégicas erradas e lesivas para os portuenses, como a concessão a privados do estacionamento na via pública e da limpeza da via pública.
Muitas promessas eleitorais continuam sem tradução orçamental ou a repetirem-se de orçamento para orçamento sem cumprimento. Veja-se, por exemplo, a questão da grande reabilitação dos bairros municipais (que tinha já a pressão da suspensão das obras em 2013 de 9,7 milhões de euros, expressa no último orçamento da coligação PSD/CDS), os projetos de requalificação da Avenida Fernão de Magalhães, da escarpa da Arrábida e da escarpa das Fontainhas e mesmo a questão do novo canil municipal.
A questão da reabilitação do Mercado do Bolhão é paradigmática. Apesar das promessas eleitorais de Rui Moreira que este projeto estaria concluído num ano ou do PS que assumiu um prazo semelhante, a verdade é que não será neste mandato que o Bolhão será requalificado. A obra foi recentemente iniciada, conta com inscrição orçamental para 2017 e prevê-se concluída em 2019, correndo tudo conforme o previsto, talvez a tempo da sua inauguração para as eleições autárquicas de 2021.
Da mesma forma, cabe perguntar porque não foi feito um esforço de alívio da carga fiscal logo no início do mandato, por exemplo, no IMI, aliás como reclamado pela CDU. Também aqui continuam por cumprir as promessas eleitorais de PS/ Manuel Pizarro de reduzir a taxa de IMI para 0,3% ou de isenções totais e parciais na derrama municipal.
Aliás, estas e outras promessas não irão certamente ser realizadas neste mandato, para além de nalguns casos se manterem opções negativas da anterior coligação PSD/CDS:
- Manteve-se a opção do "negócio" do Bairro do Aleixo onde, para além da oneração do município nos aumentos de capital do Fundo INVESURB, a verdade é que muitas famílias continuam a viver em condições indignas, ao mesmo tempo que se reduziu a oferta de habitação social na cidade
- O mesmo modelo de negócio, agora em novos moldes, foi replicado no Bairro Rainha D. Leonor
- No Pavilhão Rosa Mota manteve-se a ideia do modelo de concessão, e a requalificação continua adiada
- O "polo empresarial do Matadouro" foi anunciado, estando inscritos neste orçamento 180 mil euros, para afirmar a intenção - mas continua a ser apenas uma intenção
- E tudo o mais que respeita a Campanhã, como o terminal intermodal, continua adiado e suspenso em intenções
- A reabilitação da Biblioteca Municipal continua por concretizar
- A revisão do PDM passou para o próximo mandato
- A concessão do estacionamento na via pública avançou, apesar das promessas eleitorais do PS (Manuel Pizarro), agravando o custo de vida de quem vive, trabalha e estuda no Porto e criando as condições para a mera expansão da mancha de estacionamento pago na cidade, sem integração em nenhuma política de mobilidade coerente
- Outro exemplo flagrante da ausência de tal política são as ciclovias ineficazes, inseguras e intermitentes que já vinham do anterior mandato e que assim continuam
- A promessa de "revitalizar o Comércio Tradicional através do programa MERCATOR" igualmente se esfumou
- A concessão da limpeza urbana, um dos negócios mais danosos para o erário municipal, também acaba por continuar em novos moldes, ao nível dos resíduos indiferenciados, ao mesmo tempo que se agravam as taxas respetivas relativas à recolha de resíduos sólidos
- No que respeita às "ilhas" de habitação, depois do atraso do estudo global, e com exceção da ilha da Bela Vista cuja conclusão se prevê para 2017, tudo parece continuar na mesma apesar do famigerado e exaltado "programa de estímulos".
A questão mais relevante é que este orçamento continua a revelar a falta de uma visão estratégica para cidade, a falta de um projeto mobilizador e ambicioso de transformação e de resposta aos problemas do despovoamento, da habitação, do desemprego, das desigualdades e das assimetrias que fraturam o Porto.
Esta afirmação não nos impede de reconhecer, como já dissemos anteriormente, que este orçamento contém aspetos positivos que importa realçar, como os níveis de investimento municipal inscritos e o reforço do quadro de pessoal. Contudo, como outras áreas do orçamento, estamos a falar de intenções e estimativas, que importa que venham a ser confirmadas pela execução orçamental.
Como já afirmamos, aquando da discussão do relatório de gestão e contas de 2015, existem deficiências na elaboração do orçamento municipal, suas previsões e opções.
Ao longo dos últimos anos, não só os orçamentos municipais recebem diversas modificações ao durante o ano, que alteram a sua estrutura de receitas e despesas (o que se confirma com o Gráfico 1, que mostra a diferença entre as propostas iniciais de orçamento e os valores corrigidos finais), como depois não são cabalmente executados.
Não conhecendo ainda os valores finais de execução do orçamento municipal do corrente ano, o ano de 2015 é demonstrativo:
- O orçamento inicial foi de 191,7 milhões de euros
- Ao longo do ano foi sendo modificado e chegou aos 221,1 milhões de euros, segundo se referia na apresentação do Orçamento para 2016
- Aquando da apresentação do relatório de gestão de 2015 constatou-se que o valor orçamental final teria ficado afinal nos 210,6 milhões de euros
- A despesa concretizada situou-se nos 165,8 milhões de euros, apesar de ao nível da receita ter sido executado mais que o previsto (215 milhões de euros)
- A taxa de execução do orçamento de 2015 foi uma das mais baixas dos últimos anos, apenas de 78,7% (em 2013, foi de 86,9%), o que significou um desvio em relação ao orçamento de 44,8 milhões de euros
- O excedente entre a receita arrecadada e a despesa efetuada foi de 49,2 milhões de euros
- Ao nível do investimento municipal passou-se algo similar, com as taxas de execução de 2015 a situarem-se nos 57,8% (59,1% ao nível na grande reabilitação dos bairros municipais).
Palavras para quê!? Estes números são suficientemente elucidativos.
As intenções de base eleitoralista agora presentes contrastam com os anteriores orçamentos e a baixa execução dos mesmos, com níveis anémicos de investimento municipal apesar do crescente excedente.
Esperemos que não se repita o mesmo que nos anos anteriores - nas contas que a CDU fez relativas aos anos de 2010 a 2015, ficaram por executar 218,8 milhões de euros, ou seja, desses seis orçamentos aprovados, um e meio na prática não foi executado. Mau seria que o orçamento municipal para 2017 viesse a ter destino similar.
A proposta de orçamento municipal para 2017 apresenta um valor global de 244,2 milhões de euros, um aumento de 17,9% face à de 2016 (valor inicial em termos nominais), ou seja, mais 37 milhões de euros. Mas se tivermos em conta o orçamento corrigido de 2016, então a proposta apresenta um valor global inferior em 23,2 milhões de euros, uma redução de 9%.
Não deixa de ser curioso que no relatório orçamental, a coligação utilize novamente, para efeitos de comparação, algumas vezes o orçamento corrigido de 2016, quando lhe dá jeito, nomeadamente para justificar o esforço de contenção da despesa corrente na aquisição de bens e serviços.
A talhe de foice, a rubrica aquisição de serviços tem uma dotação inscrita global de 54,7 milhões de euros (49,2 milhões de euros em 2016), um dos valores mais elevados desde pelo menos o orçamento de 2010 e que representa 22,4% da despesa total prevista. Continuámos assim a ter um orçamento onde o peso da subcontratação externa volta a atingir um valor recorde.
O valor do orçamento continua a ser empolado em 2017, com receitas extraordinárias, algumas já previstas em 2016. Reaparece de novo a inscrição da venda das ações do Mercado Abastecedor, agora valorizadas em 17,3 milhões de euros (mais 2 milhões). Aparece também inscrita a transferência dos 28,7 milhões de euros no âmbito do denominado «Acordo do Porto». Expurgado desde efeito, o valor do orçamento seria de 198,2 milhões de euros, um valor que fica aquém dos orçamentos do início da década (ver Gráfico 2). Não podemos também esquecer que para o equilíbrio orçamental conta a inscrição de um empréstimo consignado ao investimento municipal no valor de 20 milhões de euros.
Ao nível dos principais objetivos estratégicos, a Reabilitação e Requalificação Urbana, tem um aumento de 7,5 milhões de euros. Contudo esta rubrica continua a ficar longe das necessidades, continuando bastante abaixo do orçado em 2013 e anos anteriores. Importa salientar, que ao nível do investimento na requalificação de viadutos e arruamentos, a verba inscrita, apesar do aumento, representa quase metade do orçado em 2013. A promoção do ambiente urbano mantém os níveis de compromisso de 2016, sendo de salientar a intenção de reabilitação dos jardins do Palácio de Cristal. Ficamos sem perceber o valor inscrito ao nível da concessão da limpeza urbana, que mantém os mesmos valores inscritos em 2016 e com peso crescente nos anos seguintes. A ação de dinamização cultural tem um acréscimo significativo para 5,9 milhões de euros, contudo o investimento na cultura continua a privilegiar a divulgação cultural e os eventos, em detrimento do investimento na preservação do património cultural. A solidariedade social aumenta as verbas previstas em 2016 para níveis mesmo assim inferiores aos que existiam em 2012. Rubrica que incorpora 1 milhão de euros do Fundo Municipal de Emergência Social, que face aos valores e objetivos terá uma abrangência limitada, não tendo um impacto estrutural na situação social que se vive no Porto, onde o desemprego, a pobreza e a falta de acesso à habitação, continuam a ser as três as principais questões no desenvolvimento social da cidade, das quais o Estado central não se pode desresponsabilizar.
Ainda dentro dos objetivos estratégicos, importa salientar o investimento na requalificação dos Bairros Municipais que sofre um acréscimo de 3,2 milhões de euros face ao orçamento de 2016 inicial, situando-se nos 17,8 milhões de euros, na sua quase totalidade no âmbito da candidatura ao programa Reabilitar para Arrendar. Tendo-se a CDU batido pela necessidade do aumento do investimento na grande requalificação, este é um passo positivo. Recuperam-se assim níveis de investimento inscritos no orçamento de 2010. A questão é que esta grande requalificação precisa de recuperar dos baixos níveis de investimento entre 2013 e 2015, nomeadamente no orçamento de 2013. Precisa sobretudo que estes montantes sejam cabalmente executados. Importa salientar também, que tão importante como o investimento e a sua cabal execução, é o modelo de reabilitação seguida e aqui não parecem existir grandes diferenças face ao passado, aliás como está bem patente na reabilitação do Bairro S. Vicente de Paulo e nos bairros que integram o programa Reabilitar para Arrendar. Devia haver um esforço adicional para manter a oferta de habitação social nas decisões que venham a ser tomadas de reabilitação.
Importa também salientar o crescimento significativo que a rubrica de estudo, pareceres, projetos e consultadorias tem vindo a ter, voltando a ver a sua verba reforçada em 2017 para mais de 2,9 milhões de euros, sendo um dos valores mais elevados dos últimos anos. Por outro lado, só as despesas promocionais e publicitárias (já descontando anúncios e publicações obrigatórias), o jornal da Câmara e o seu site implicam gastos superiores a 483 mil euros, mais do que se gasta com o Departamento Municipal de Fiscalização.
A CDU considera que este orçamento não contribui para a modificação do modelo de desenvolvimento da cidade, mantém prioridades do anterior executivo municipal e não cumpre de facto alguma das promessas eleitorais apresentadas pelas candidaturas hoje coligadas nas últimas eleições autárquicas. O que continua a faltar neste orçamento, como no de 2014 e 2015, é a ambição clara de romper com o atual modelo de desenvolvimento da cidade, uma visão estratégica para o Porto. O que temos é um orçamento que se mantém em transição e marcado pelo calendário eleitoral.
Rui Moreira fez ampla divulgação da reunião que promoveu com o Conselho dos 24 para debater a proposta de orçamento. No entanto, a CDU continua a lamentar que também no processo de preparação do orçamento deste ano, não se tenha procurado cumprir de forma adequada a exigência legal de auscultação prévia dos partidos ao abrigo do Estatuto de Direito da Oposição, apesar do alerta feito pela CDU na última sessão da Assembleia Municipal.
Face a esta apreciação da proposta de Orçamento para 2017 da Câmara Municipal do Porto, a CDU votará contra.
Apesar das fortes divergências de fundo com a proposta na sua globalidade, a CDU irá, contudo, voltar a insistir em propostas que considera importantes, como a criação e um programa de apoio ao movimento associativo popular, com dotação adequada (600 mil euros), que continua a ser um parente pobre do orçamento, nunca referenciado, apesar da importância estratégica que este tem para a cidade, na promoção da cultura, desporto e cidadania e como uma das principais redes sociais de apoio.