Porto
Mercado do Bolhão: centenário comemorado com degradação
A ausência de qualquer iniciativa por parte da Câmara do Porto para assinalar esta data tão simbólica não pode deixar de ser interpretada como um elemento de confirmação da indefinição e falta de estratégia que continua a rodear o futuro do Mercado do Bolhão, cujo edifício foi projectado pelo Arquiteto António Correia da Silva em 1914.
Em campanha eleitoral as promessas multiplicaram-se. Quer a candidatura Rui Moreira/CDS, quer a candidatura do PS, apontavam o ano de 2015 como o ano em que a reabilitação do Mercado estaria concluída. A primeira apontava um investimento de 17 milhões de euros, a segunda de 8 milhões.
Uma a manutenção das bancas existentes, a outra o aumento para 300 bancas. Uma não falava na sucessão em herança das bancas, a outra dizia que isso seria uma realidade.
Mas havia uma diferença substancial, a lista de Rui Moreira/CDS propunha uma concessão a privados, que fariam o investimento e explorariam o Mercado, onde 2/3 do espaço seria ocupado por restaurantes, bares e outras lojas, para além de incluir no espaço residências universitárias. Na prática corresponderia a um regresso ao modelo de financiamento de Rui Rio e da coligação municipal PSD/CDS. Esta é a proposta de Rui Moreira/CDS que o PS subscreveu no acordo político que assinou. Este é um modelo que a CDU rejeita.
A CDU considera que a Cidade não se pode deixar enredar em debates estéreis sobre novos projetos e que o importante é assegurar o devido financiamento público, nomeadamente ao nível comunitário.
Algo que infelizmente nunca foi nem feito, nem tentado, pelas maiorias PS e PSD/CDS na Câmara do Porto, ou pelos sucessivos governos PS e PSD/CDS.
É importante por isso recordar a história recente da reabilitação do Mercado do Bolhão.
Desde 1998 que existe um projeto pronto para requalificação e modernização do Mercado do Bolhão em condições de poder avançar e ser executado, da autoria do Arquiteto Joaquim Massena, vencedor de um concurso público internacional realizado na década de 90.
Em 2006, “rasgando” esse projeto, a Câmara Municipal do Porto avançou com novo concurso, com a ideia de concessionar o Mercado a um grupo privado. Concurso esse que viria a ser ganho pela empresa TCN (TramCroNe), cujo projeto se traduzia, objetivamente, na destruição do interior do mercado e na criação de um centro comercial. Entre a contestação popular e o incumprimento contratual por parte da TCN, este projeto acabou por cair, salvando-se o mercado.
A Câmara Municipal do Porto avançou posteriormente para um projeto mais reduzido (que custou cerca de um milhão de euros), elaborado pelo IGESPAR, com um custo de execução estimado de cerca de 20 milhões de euros, e que retomava parcialmente o projeto de 1998. Previa-se, por parte da Câmara Municipal do Porto, a garantia de financiamento público, em parte pela venda das ações que esta detinha no Mercador Abastecedor e/ou também por via de uma possível indemnização relativa ao incumprimento por parte da TCN. No entanto, e não obstante estas intenções, a verdade é que nada foi feito para executar este projeto e garantir as anunciadas vias para o respetivo financiamento.
Refira-se, a propósito, que durante este processo nunca foram equacionadas, e consequentemente garantidas, verbas de financiamento comunitário no âmbito do QCA II e III, nem do QREN, mesmo no contexto da reprogramação que foi efetuada. Isto apesar da Comissão Europeia ter considerado que este projeto era passível de se enquadrar nos financiamentos do FEDER, conforme resposta escrita a questões formalmente apresentadas pelos deputados do PCP ao Parlamento Europeu.
Assim como não foi equacionado financiamento público do Orçamento de Estado, o que se justificaria até porque desde 2006 que o edifício do Mercado do Bolhão se encontra classificado como imóvel de interesse público patrimonial de âmbito nacional.
Numa postura revanchista, Rui Rio e a coligação municipal PSD/CDS, depois da sua derrota na tentativa de implantação do modelo TramCroNe em Setembro de 2008, abandonaram a perspectiva de encontrar uma solução para a reabilitação do Bolhão, continuando este a definhar, num ciclo vicioso de perda de clientes e comerciantes.
Para a CDU, a questão estratégica é manter e ampliar a vertente de mercado de frescos, manter um mercado com gestão pública e interligado com o tecido económico da cidade, nomeadamente com o sector da restauração (podendo ser um importante fator de atratividade para o comércio tradicional da baixa do Porto), preservar o património cultural que o edifício encerra na paisagem urbana, mas também preservar os seus comerciantes. Não podemos ter opções como as que se tomaram em relação ao Mercado do Bom Sucesso, para mais que com a concessão do Mercado Ferreira Borges, o Mercado do Bolhão passou a ser o único mercado de frescos no Porto com dimensão.
A perda de comerciantes tem sido significativa, restando apenas cerca de 20% dos que existiam há uma década.
O Mercado é hoje uma pálida imagem do seu esplendor. Um mercado degradado e a degradar-se, entre escoras de suporte, sem condições para o exercício das suas principais funções, onde nem as obras de «lavagem de cara» foram concretizadas.
Esta situação causa evidentes prejuízos às atividades comerciais desenvolvidas, quer pelos impedimentos físicos que provoca no acesso a todas as partes do mesmo, quer pelo impacto psicológico que provoca nos eventuais visitantes/clientes, a imagem de um mercado em «derrocada».
Os comerciantes, esses continuam a pagar taxas de ocupação, sem a obras por parte do senhorio Câmara Municipal, cujas reduções dos seus valores, não compensam o impacto na atividade comercial, quando no passado, mesmo a inatividade forçada, a Câmara avançou com processo de caducidade das licenças de ocupação, continuando a não permitir a cedência e transmissão dos espaços comerciais.
Mas o estado de degradação do Bolhão não constitui, apenas, uma perda para os seus vendedores e clientes: é uma perda para a zona envolvente, que vê o quarteirão onde se encontra a definhar, ladeado pelas ruas Formosa, Sá da Bandeira, Alexandre Braga e Fernandes Tomás, perdendo-se com o seu definhamento não só atividade económica e postos de trabalho, como também o seu potencial turístico e cultural, para além do escoamento de produtos frescos de origem local e tradicional, fonte
de abastecimento da restauração típica da cidade.
Face à atual situação do Mercado do Bolhão torna-se assim inadiável avançar com a sua requalificação, não só porque o grau de degradação do edificado existente pode vir a atingir uma situação irreversível de sustentação, mas também porque mais qualquer adiamento contribuirá para uma perda cada vez mais acelerada dos comerciantes tradicionais que exercem a sua atividade no Bolhão e que fazem do Mercado aquilo que ele verdadeiramente é.
Assim, a degradação a que o Mercado do Bolhão está votado constitui uma perda para o Porto, que perde um dos seus mais importantes símbolos, representativo da Alma da cidade e dos seus habitantes.
Chegados a 2014, este é o retrato do Bolhão e a incerteza parece ser a marca para o futuro.
A CDU reitera a exigência que os poderes públicos locais e nacionais cooperem no sentido de garantir o financiamento público para que o projeto de requalificação do Mercado do Bolhão avance, nomeadamente aproveitando as possibilidades do novo quadro financeiro 2014-2020, agora que se encontra fechado.
Neste contexto, a CDU recorda a aprovação por unanimidade na Assembleia da República, em Janeiro de 2013, de um Projecto de Resolução apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP no qual se recomendou ao Governo “a adopção de medidas urgentes para apoiar com fundos comunitários o projecto de requalificação do Mercado do Bolhão”, vinculando a Assembleia da República e o Governo no desbloqueamento do financiamento para a concretização da requalificação do Mercado
do Bolhão e ao mesmo tempo influenciando para que a Câmara Municipal do Porto, proprietária do Mercado, tire o devido proveito de todos os meios de financiamento disponíveis.
A CDU considera que a Câmara tem que apresentar com a maior brevidade a sua linha estratégica para a reabilitação do Mercado do Bolhão, defendendo a CDU que a gestão pública do Mercado não pode ser posta em causa.
Mas sobretudo que haja medidas que permitam preservar os comerciantes do Mercado, nomeadamente garantindo o direito de transmissão em herança a familiares, muitos deles que já apoiam os atuais comerciantes, assim como a atribuição de novas licenças de ocupação.
Neste sentido, a CDU irá apresentar na primeira reunião de Câmara Municipal do Porto em Setembro uma proposta com esse objetivo.
Para que o Bolhão possa comemorar o seu centenário com a dignidade que merece e que 2014 seja o ano do início das obras reabilitação é necessário que haja uma definição e, como foi dito em campanha eleitoral, que este seja considerado um investimento prioritário do atual mandato. Esta é uma exigência indiscutível dos portuenses que sabem que podem continuar a contar, como sempre, com o apoio da CDU.
Porto, 19 de Julho de 2014
A CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto