Porto
Sobre a proposta de privatização da empresa Águas do Porto
A CDU – Coligação Democrática Unitária, depois de lida a proposta em concreto, decide tornar pública a seguinte posição.
Em primeiro lugar, a CDU considera que a proposta agora apresentada, bem como outras propostas como a da concessão dos parquímetros, são a demonstração clara de que, afinal, a situação financeira da Câmara não é tão boa como Rui Rio e a coligação PSD/CDS têm vindo a apregoar.
De facto, as propostas agora apresentadas com vista à angariação de receita vêm dar razão às denúncias que a CDU tem vindo a fazer sobre a situação financeira da Câmara. É útil, a este propósito, transcrever parte do texto que consubstanciou a posição da CDU sobre as Contas de Gerência de 2010:
“Essas Contas são, também, demonstrativas de que, ao contrário do que apregoam, a gestão “rigorosa” e “poupada” de Rui Rio e da coligação PSD/CDS, afinal é despesista e mal gerida em aspectos fundamentais e apenas consegue o “equilíbrio” financeiro à custa da brutal redução do investimento e do aumento dos sacrifícios das populações mais desfavorecidas”.
Ou seja, Rui Rio e a coligação PSD/CDS deitaram mão, permanentemente, a receitas extraordinárias que têm vindo a reduzir significativamente o património municipal. Assim foi com um esquema de factoring com as empresas municipais que procurava transformar dívida de curto prazo em dívida de médio prazo, com a constituição de dois fundos imobiliários, com a integração dos terrenos do Aleixo noutro fundo imobiliário, com a cedência do Palácio do Freixo, com a venda do mercado do Bom Sucesso.
Essas receitas extraordinárias, “maquilhando” as contas de cada ano não iludem a incapacidade de aumentar a receita corrente e de diminuir as despesas de funcionamento, nem fazem esquecer opções políticas que se tornam em negócios ruinosos para o Município.
Apenas alguns exemplos:
1. A constituição de um fundo imobiliário com edifícios onde funcionam diversos serviços municipais permitiu encaixar uns milhões de euros. Mas esse facto fez aumentar as despesas anuais da Câmara, que passou a ter que pagar uma renda pelo aluguer das suas próprias instalações;
2. Segundo Rui Rio, a concessão dos serviços de limpeza, com base no valor base do concurso (5,4 milhões de euros) iria permitir poupar 700 mil euros anuais. No entanto, em 2010, pagaram-se 9,7 milhões de euros por essa concessão, ou seja, mais 4,3 milhões de euros do que esse valor – o que significa, mesmo que se considerem verdadeiros os mentirosos números de Rui Rio, que a concessão se traduziu num acréscimo de 3,6 milhões de euros anuais para os cofres do Município;
3. A redução dos custos com Pessoal tem vindo a ser “comido” pelo aumento dos custos com a “Aquisição de Serviços”, o que significa que a Câmara contrata, cada vez mais, ao exterior, pagando os cofres municipais mais por isso;
4. Há apoios concedidos ao Município do Porto que simplesmente são desperdiçados, como é o caso do financiamento aprovado para a requalificação do troço poente da Circunvalação, no valor de 7 milhões de euros e que se perderam por força das desavenças com o Município de Matosinhos;
5. Rui Rio diz que a banca não tem liquidez para emprestar dinheiro à Câmara. Então como justifica a sua opção e contrair um empréstimo de cerca de 12 milhões de euros para pagar a remodelação do Pavilhão Rosa Mota – ónus que, como a CDU sempre defendeu, deveria ser daqueles que se propõem gerir esse equipamento;
Constata-se, assim, que o primeiro objectivo de Rui Rio e da coligação PSD/CDS com a privatização de 45% do capital da empresa Águas do Porto é o de antecipar receitas (única certeza que se terá com a concretização deste negócio), um pouco à imagem daqueles dirigentes dos clubes de futebol que vendem o futuro no presente, empurrando com a barriga os buracos para amanhã e deixando uma “pesada herança” aos seus sucessores.
Em segundo lugar, Rui Rio e a coligação PSD/CDS, com a demagogia habitual, procuram apresentar este negócio como a (única) forma de fazer apostas vitais para a cidade, designadamente em matéria de requalificação de bairros municipais e de outros investimentos. Estes são argumentos mentirosos, dado que, em termos de investimentos, e como a CDU tem vindo a denunciar e criticar, a coligação PSD/CDS tem-se distinguido pela sua redução a níveis de indigência, ao mesmo tempo que aumenta, continuamente, o peso das despesas correntes (ou seja, de funcionamento da estrutura municipal, que não de Pessoal) no orçamento municipal.
Verifica-se, assim, salvo uma imprevisível cambalhota de Rui Rio para os seus dois últimos anos de mandato em que pretenda fazer os investimentos que não fez em 10 anos, que as receitas que agora pretende antecipar não se destinam a concretizar os investimentos de que o Porto necessita. Antes pelo contrário, as verbas a angariar servirão para alimentar o funcionamento da máquina municipal e das empresas municipais. Ou seja, vendem-se anéis que, tal como aconteceu com as anteriores receitas extraordinárias decorrentes da venda de imobilizado, não se consubstanciam em investimento duradouro na cidade com impacto na sua afirmação ou na qualidade de vida dos cidadãos.
Em terceiro lugar, Rui Rio e a coligação PSD/CDS dão plena razão à CDU quando esta afirmava, em 2006, que a transformação dos SMAS em empresa municipal era o primeiro passo para a entrega aos privados do serviço público de abastecimento de água e de drenagem e tratamento de águas residuais. Acusação que mereceu o veemente protesto de Rui Rio, que confidenciava, até, que nos negócios da privatização de serviços do ambiente (remoção e tratamento de resíduos sólidos e águas) estava o fulcro do financiamento partidário… E deu também razão à CDU quando, em plena campanha eleitoral autárquica de 2009, em frente à Torre dos Clérigos (que felizmente não é municipal), afirmava que era intenção da coligação PSD/CDS continuar a privatizar serviços e equipamentos da cidade.
Efectivamente, para além da antecipação de receitas, a privatização dos SMAS corresponde a um dogma ideológico (aliás expresso na fundamentação da proposta) de que o sector privado gere melhor do que o sector público. Dogma que, como já referimos, se tem traduzido num sorvedouro de dinheiros públicos no caso da concessão da limpeza.
Mas a questão que se coloca é a de saber porque é que o serviço de distribuição de um bem público de primeira necessidade como a água, deve gerar lucros para uma entidade privada (e veremos se nacional ou estrangeira) que, ainda por cima, não fica obrigada a reinvesti-los na cidade.
E esta divergência tem ainda maior acuidade quando se sabe que:
A Empresa Águas do Porto tem dado resultados positivos (como já acontecia com os SMAS no mandato 2002-2005), o que demonstra que o que é público não tem, necessariamente, que dar prejuízo;
A rede de infra-estruturas de água e saneamento está praticamente construída, não sendo, por isso, necessários investimentos extraordinários nos próximos anos;
O valor de 30 milhões de euros por 45% do Capital Social é um valor que fica muito aquém do valor patrimonial da Empresa (refira-se que a situação líquida da Águas do Porto, em 31/12/2010, era de 112,8 milhões de euros), o que ajuda a entender que o valor agora proposto não se baseia em nenhum estudo fundamentado (mas, como o “rigoroso” Rui Rio diz à 3ª feira que vai vender o silo-auto por 8 milhões e apresenta uma proposta na 5ª feira de venda por 10,1 milhões de euros, este não é assunto que mereça surpresa…).
E esta é a divergência fundamental da CDU à entrega a privados deste serviço público, pondo fim a uma tradição que até a ditadura fascista manteve, e repetindo uma experiência que correu mal no início do século passado, levando ao resgate da concessão por parte do Município. Situação que, aliás, se verifica ao arrepio do que se faz pela Europa. Efectivamente, convém lembrar que, de entre os estados membros da UE, a água e os serviços de água são exclusivamente públicos na Dinamarca, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Áustria. Na Holanda, para garantir que essa situação não se alteraria, o parlamento aprovou em Novembro de 2004 uma lei que veda ao sector privado os serviços de abastecimento de água. Em Paris, os serviços de água foram remunicipalizados em 2010, depois terem sido privatizados em meados dos anos 80. Da privatização apenas resultaram lucros fabulosos para os privados, e uma falta de investimentos de tal ordem que colocou o abastecimento de água à beira da ruptura.
Para, quiçá, aplacar alguns problemas de consciência com (mais) esta pirueta (será que ainda veremos Rui Rio a defender o Corte Inglês na Boavista?), Rui Rio multiplica-se em promessas que, sabe, não tem quaisquer poderes para cumprir:
Que os privados serão minoritários e que o domínio da empresa será sempre público – o que impede, no futuro, a Câmara Municipal, com o argumento de uma outra qualquer crise ou por que sim, privatizar mais 6%, como aliás o Governo PSD/CDS está a fazer com a Águas de Portugal e com tantas outras participações do Estado em empresas estratégicas? Aliás, a transformação da empresa Águas do Porto numa Sociedade Anónima facilita, ainda mais, essa operação (tal como a transformação dos SMAS em empresa municipal facilitou a privatização de parte do seu capital).
Que as tarifas não terão aumentos substanciais – a competência pela fixação das tarifas é da Assembleia Municipal, logo como é que pode assumir este compromisso, numa situação de forte presença e com elevado poder negocial dos privados na empresa? E será que Rui Rio desconhece a intenção do Governo do seu partido de uniformizar, por decreto e a nível nacional, as tarifas de abastecimento de água, o que se traduziria num aumento brutal dos lucros do privado - dado que a água no Porto é das mais baratas e, mesmo assim, gera lucros? E desconhece, também, a proposta de aumento (que podem atingir os 25%!) das tarifas de resíduos sólidos que leva à mesma reunião da Câmara e que se traduz, também, num aumento da factura da água a pagar pelos Munícipes e num aumento do lucro da empresa Águas do Porto, que cobra uma percentagem dessa receita (ou seja, os Portuenses vão passar a pagar, na tarifa dos resíduos sólidos, uma parte de lucro de um privado que nada contribui para a remoção e tratamento de resíduos sólidos);
Que embora o Director-Geral (a quem são atribuídas as funções de verdadeiro líder da empresa) seja escolhido pelo parceiro privado, esse nome tem de ser ratificado pelo Município – o problema é de ser a pessoa x ou y ou o problema é a “cultura” empresarial adoptada por essa pessoa e que, sendo indicada pelo parceiro privado, visa, naturalmente, o lucro da sua entidade patronal – e isso o Município deixa de poder vetar?
Que, face à “eficiência” da gestão dos privados, no futuro os lucros para o Município correspondentes à remuneração de 55% do capital serão superiores àqueles que agora são obtidos para remuneração da totalidade desse mesmo capital. Esta afirmação não é mais do que um acto de fé nas virtudes da iniciativa privada (a mesma que, no sector financeiro, espoletou a crise em que hoje vivemos). Mas o que se esqueceu de dizer é que já não será Presidente da Câmara para verificar essa profecia e que, actualmente, os lucros da Águas do Porto são reinvestidos na empresa, enquanto com a privatização, parte dos lucros servirão para remunerar capital. E esqueceu-se, também, de referir que passará a pagar ao parceiro privado entre 100 a 200 mil euros por ano a título de “prestação de serviços de gestão”, dado que, para além de accionista, esse parceiro será prestador de serviços!...
Naturalmente que um parceiro privado não tem como Missão a prestação de um serviço público, antes visando o lucro e a remuneração do capital dos seus accionistas. Este facto pode levar ao desinvestimento nas infra-estruturas, à transferência, para os Munícipes, de custos associados a investimento (designadamente em termos de ligação dos fogos à rede pública de águas residuais), à análise de investimentos pela sua rentabilidade e não pela satisfação de necessidades básicas (a EDP Gás apenas fornece gás natural a prédios se o investimento decorrente desse objectivo for rentável), à substituição dos actuais trabalhadores da Águas do Porto por outros que sejam mais baratos e, de preferência, precários (servindo-se da liberalização dos despedimentos na Administração Pública que o Governo PSD/CDS quer promover). Estes não são cenários catastrofistas, antes se limitam a constatar o que tem acontecido com a privatização destes serviços na região, no país e no mundo.
Uma última referência ao facto de a proposta que vai ser discutida na Câmara incluir um “Projecto de Regulamento de Abastecimento de Água e Recolha e Tratamento de Águas Residuais Domésticas do Município do Porto”. Este documento deve ser objecto de uma análise separada, até porque a sua aprovação final requer um processo de discussão pública, não sendo aceitável, por isso, que seja votado “à molhada” como anexo de outros documentos.
A CDU vai, naturalmente, votar contra a privatização da empresa Águas do Porto, exortando os Portuenses a manifestarem a sua oposição a esta medida que entrega a grupos económicos um património importante da Cidade construído, ao longo de décadas, com o esforço de muitas gerações de Portuenses.
Porto, 12 de Novembro de 2011
CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto