Porto
Sobre as contas de gerência do Município do Porto em 2011
O objectivo era claro: sem direito a contraditório, dado que os documentos ainda não tinham sido distribuídos aos Vereadores das outras forças políticas, a coligação PSD/CDS, como é seu timbre, procurava transmitir uma imagem cor-de-rosa sobre a situação financeira do Município, procurando, simultaneamente e na senda das lutas internas do PSD, projectar a imagem de Rui Rio como líder “rigoroso”.
No entanto, a distribuição dos documentos oficiais das Contas e a sua análise aprofundada permitem concluir que, afinal, o ano de 2010 padece dos mesmos males que têm caracterizado a gestão da maioria PSD/CDS, onde o dito equilíbrio financeiro tem sido alcançado à custa da brutal redução do investimento e do recurso a operações extraordinárias de financiamento (casos do “Factoring” sem recurso e da constituição de fundos imobiliários), sem haver uma redução estrutural de outras despesas de funcionamento municipais, nem um aumento sustentado das receitas decorrentes da actividade municipal.
Uma primeira ideia que a coligação PSD/CDS procura transmitir prende-se com a redução da despesa derivada das “medidas corajosas e previdentes” do Presidente da Câmara. No entanto, a efectiva redução da despesa corrente (-1,97 milhões de euros) deveu-se não à diminuição das despesas decorrentes do funcionamento da estrutura municipal mas tão só à diminuição da rubrica “Juros e Outros Encargos” (-2,25 milhões de euros), situação que se deve “essencialmente à diminuição das taxas de juro no ano de 2010” (página 34 do Relatório de Gestão). Ou seja, esta redução não se deve, no essencial, a nenhuma medida de gestão mas sim a uma situação conjuntural externa que se prevê que em 2011 venha a ter um comportamento contrário.
Aliás, não deixa de ser sintomático que a real redução dos custos com Pessoal da Câmara (-1,705 milhões de euros) tenha sido efectivamente suplantada pelo reforço da rubrica de “Aquisição de Serviços” (+ 1,856 milhões de euros). Ou seja, fruto da política de privatização de serviços municipais, a Câmara tem vindo a pagar cada vez mais a entidades privadas por serviços que podiam ser feitos internamente com Pessoal da Câmara. Por outro lado, e como prova evidente de que as medidas tomadas para a redução de custos não tiveram o resultado esperado e divulgado, refira-se que a rubrica “horas extraordinárias” teve um acréscimo de 8,3%, passando de 581 para 629 mil euros).
Uma segunda ideia transmitida pela coligação PSD/CDS prende-se com o facto de “fruto da boa situação financeira do Município” ter sido possível acomodar no Orçamento de 2010 a aquisição dos terrenos do Parque da Cidade, sem que se tenha feito a venda dos terrenos municipais inscritos nos acordos de permuta.
Sobre isto, e para além de a CDU considerar necessário um cabal esclarecimento (que vai formalmente solicitar) sobre os compromissos assumidos pelo Presidente da Câmara para o incumprimento dos contratos promessa de compra e venda aprovados pela Câmara e Assembleia Municipais, importa referir que tal só foi possível através de uma brutal diminuição dos investimentos previstos em 2010, designadamente daqueles que iriam ser realizados pelas empresas municipais GOP e DomusSocial.
Efectivamente, e relativamente ao orçamentado, registam-se as seguintes diminuições nos investimentos previstos:
Recuperação de Habitação Social: -5,1 milhões de euros;
Reabilitação da Baixa: - 0,38 milhões de euros;
Reabilitação do Mercado do Bolhão: - 1,0 milhões de euros;
Arranjo urbanístico do espaço público do Bairro do Lagarteiro: - 2,5 milhões de euros;
Reabilitação da Rua de Monte dos Burgos: - 0,44 milhões de euros;
Segurança rodoviária: - 0,34 milhões de euros.
Ou seja, obras adiadas e/ou atrasadas, por diversas razões, mas que, ao não se fazerem em 2010, causaram problemas aos munícipes e à cidade mas permitiram “libertar” verbas para o pagamento dos terrenos do Parque da Cidade, ao mesmo tempo que se utilizou, no final de 2010 mas a tempo de “equilibrar” as contas, parte do empréstimo bancário (4,9 milhões de euros).
Em particular, importa referir que a significativa diminuição das verbas utilizadas na reabilitação dos bairros municipais (para além de -5,1 milhões de euros relativamente ao orçamentado, há a registar uma quebra de 7,3 milhões de euros relativamente ao investimento efectuado em 2009) acontece ao mesmo tempo que se regista um brutal aumento nas receitas decorrentes das rendas dos bairros (que passam de 8,14 para 9,15 milhões de euros, ou seja, um aumento de 12,4% em tempos de grande crise social). Este valor, somado ao empréstimo destinado a habitação social que foi utilizado em 2010 (4,9 milhões de euros), mais o empréstimo efectuado no âmbito do programa PROHABITA (1,2 milhões de euros), mais a receita obtida do próprio PROHABITA (1,6 milhões de euros) mostram que, em 2010, a reabilitação dos bairros municipais teve “superavit”, ou seja, foi superior a receita arrecadada do que a despesa efectuada (em quase 2 milhões de euros).
É de salientar, também, que se retirarmos os valores de aquisição dos terrenos do Parque da Cidade, o investimento do Município do Porto atinge, apenas, os 35 milhões de euros, o que significa -8,2 milhões de euros do que em 2009), que já era o valor mais baixo da última década.
Uma terceira ideia transmitida pela coligação PSD/CDS prende-se com a redução do Passivo da Câmara Municipal do Porto, situação que, em 2010, não aconteceu de facto. Efectivamente, sendo verdade que a dívida de médio e longo prazo passou de 111,7 para 107,9 milhões de euros (menos 3,8 milhões de euros), a dívida de curto prazo teve um acréscimo de 12,2 milhões de euros (passando de 21,2 para 33,4 milhões de euros), sendo de registar o aumento nas rubricas de fornecedores c/c (+2,5 milhões de euros) e os fornecedores de imobilizado c/c (+ 3,7 milhões de euros) – o que demonstra uma menor saúde financeira.
Uma quarta ideia que a coligação PSD/CDS procura difundir, como se viu no recente debate da Assembleia Municipal sobre empresas municipais, é que estas são mais eficientes do que os serviços municipais. As contas de 2010 demonstram claramente que tal não acontece. De facto, registou-se uma significativa diminuição dos investimentos realizados pelas empresas municipais: a GOP passa de um investimento de 8,05 milhões de euros em 2009 para 7,24 milhões de euros em 2010, enquanto a DomusSocial passou de 27,04 para 18,48 milhões de euros, ou seja, uma diminuição global de 9,36 milhões de euros. Não obstante esta diminuição, as transferências para o pagamento dos custos de estrutura destas duas empresas municipais passa de 4,7 para 4,9 milhões de euros, o que significa que, em 2009, se investiam 7,47 euros por cada euro de custo de estrutura, enquanto em 2010 apenas se investiam 5,24 euros, o que representa uma diminuição de 30%. Esta constatação torna mais premente a reflexão apresentada pela CDU, que defendeu a fusão destas duas empresas municipais, como forma de racionalização de custos.
Uma quinta ideia prende-se com a defesa de que a privatização dos serviços de limpeza se traduziu numa poupança para o Município. Apesar das sucessivas mentiras do Vice-Presidente da Câmara e Vereador do Ambiente, com promessas de fornecimento de dados demonstrativos dessa evidência (nunca fornecidos) ou com a apresentação verbal de números que evidenciam essa poupança (nunca sustentados), as Contas de 2010 são “como o algodão”: não enganam! Efectivamente, em 2010, e como era previsível face à diminuição da População e à crise económica e social, houve uma redução dos Resíduos Sólidos Urbanos indiferenciados recolhido nas ruas do Porto (-1,1%). No entanto, os custos pagos com a concessão dos serviços de limpeza passaram de 8,4 para 9,7 milhões de euros, ou seja, um acréscimo de 8,2%. Refira-se, aliás, que aquando da apresentação do modelo de privatização dos serviços de limpeza se previa que a mesma custaria 5,4 milhões de euros/ano, tendo-se pago, em 2010, mais 78% do que o previsto! Esta escandalosa situação deve merecer séria ponderação, principalmente numa altura em que estará em fase de conclusão o processo de privatização da limpeza da zona central da Cidade.
Do lado da receita registou-se uma diminuição de 11,4 milhões de euros, o que significa uma redução de 5,5% relativamente a 2009.
No entanto, e ao contrário do que a coligação PSD/CDS procura fazer crer, esta diminuição da receita não é inevitável, decorrendo, em grande parte, da incapacidade da Câmara Municipal do Porto em gerar iniciativas e investimentos susceptíveis de trazerem aos cofres municipais verbas acrescidas.
Efectivamente, esta redução da receita só não foi maior porque, ao contrário do previsível e do que realmente se terá passado, as receitas fiscais, designadamente as decorrentes do IMI e do IMT tiveram um substancial acréscimo de 2,85 e 8,7 milhões de euros, respectivamente (7,1 e 40,6%). Sendo certo que estas receitas estão dependentes da cobrança e dos momentos de transferência da administração central (acontecimentos que, historicamente, pouco têm que ver com a realidade), importa analisar se, em particular ao nível do IMI, o acréscimo da receita não está relacionado com o fim dos períodos de isenção e com a reavaliação dos imóveis (dado que, se assim acontecer, a habitual aplicação das taxas máximas por parte do Município deve ser ponderada).
Mas se é verdade que a receita, apesar da sua diminuição, é ”salva” pelo acréscimo das receitas fiscais (embora se registe uma diminuição de 2,7 milhões de euros na Derrama, o que corresponde a - 14,7%, prova evidente da crise económica das empresas sedeadas no Porto), também é verdade que a angariação de receitas próprias da Câmara Municipal do Porto fica muito aquém do possível e do desejável.
Se ao nível das receitas decorrentes de loteamentos e obras, a brutal redução (de 9,2 para 4,4 milhões de euros, ou seja -52,2%) se justifica pela diminuição da actividade do sector da construção, outras receitas há cuja redução apenas tem por base uma menor dinâmica da Câmara Municipal do Porto (também demonstrativa de que a centralização, num único pelouro, do sector da Ficalização não teve, pelo menos por agora, efeitos positivos na arrecadação da receita). Estão entre estes casos:
Receitas de parcómetros (que passa de 1,472 para 1,446 milhões de euros);
Receitas de Publicidade (apesar do notório crescimento da publicidade no Porto, aliás acarinhada pela coligação PSD/CDS, em simultâneo com a diabolização das actividades de propaganda política, designadamente do PCP e da CDU): passa de 2,58 para 2,48 milhões de euros);
Taxas, multas e outras penalidades, que passam de 4,7 para 4,0 milhões de euros.
Este facto, aliado à incapacidade de gerar verbas de fundos comunitários (embora esta rubrica tenha subido em 2010, de 0,9 para 2,7 milhões de euros), que apenas representam 1,4% da receita cobrada, valor ridículo para um Município com a importância do Porto, ou de obter verbas a partir de contratos programa com a Administração Central (apenas representam 5,8 milhões de euros, enquanto em 2009 foram de 22,1 milhões de euros) ou de vender património. Neste último caso, embora a CDU manifeste, desde sempre, a sua oposição à alienação de património estratégico, designadamente em altura de crise do mercado, não pode deixar de criticar a incapacidade de alienação de habitações municipais (em bairros e espalhados pela cidade), não pode deixar de referir, mais uma vez, as dúvidas e preocupações que lhe provoca o facto de não se terem concretizado contratos promessa de compra e venda de vários terrenos e edifícios, subscritos no âmbito do designado acordo do Parque da Cidade (que permitiriam o encaixe de mais cerca de 14 milhões de euros, embora ficasse por saber se a coligação PSD/CDS teria capacidade de utilizar esta verba de uma forma útil para o Porto e para os Portuenses!...).
Esta incapacidade na geração de receitas próprias demonstra a razão que a CDU tinha e tem quando, desde há 8 anos, tem vindo a propor a criação de um Pelouro da Receita que tivesse a função de olhar para as diversas oportunidades de angariação de verbas para o Município.
Constata-se, assim, que as Contas da Câmara Municipal do Porto de 2011, embora afectadas por sinais da crise económica e social que se vive no País e na Cidade, são, principalmente, consequência da incapacidade e dos erros políticos que têm caracterizado a governação da coligação PSD/CDS, com sérias consequências na vida dos Portuense e na afirmação do Porto. E que essas Contas são, também, demonstrativas de que, ao contrário do que apregoam, a gestão “rigorosa” e “poupada” de Rui Rio e da coligação PSD/CDS, afinal é despesista e mal gerida em aspectos fundamentais e apenas consegue o “equilíbrio” financeiro à custa da brutal redução do investimento e do aumento dos sacrifícios das populações mais desfavorecidas. Ou seja, um PEC à “moda do Porto” e à medida dos interesses da coligação PSD/CDS.
Por este motivo, os eleitos municipais da CDU irão votar contra este documento.
Porto, 25 de Abril de 2011
A CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto