Porto
Sobre a situação que se vive no centro histórico do Porto
No Porto, a comemoração de 2011 desta iniciativa coincide, praticamente, com a derrocada parcial de mais uns edifícios do Centro Histórico, situação que levou à adopção de medidas tendentes à sua demolição e ao desalojamento de mais umas famílias, facto que conflitua com a ideia de que o centro do Porto está a ser reabilitado e com o carácter festivo que a Câmara Municipal do Porto procura dar à comemoração
desta efeméride (o que não faz esquecer, por exemplo, o “esquecimento” da maioria PSD/CDS da comemoração do 10º aniversário da elevação do Centro Histórico do Porto a “Património Mundial da Humanidade”).
E o principal problema do Centro Histórico do Porto está relacionado com o facto de a sua elevação a Património Mundial da Humanidade ter sido considerado um “fim” e não um instrumento para a dinamização do seu processo de reabilitação e fixação da sua população.
Efectivamente, após a concessão deste galardão, as sucessivas gestões da Câmara Municipal do Porto (da responsabilidade, primeiro, do PS, e, nos últimos 10 anos, da coligação PSD/CDS) desinvestiram no Centro Histórico. Se a Cimeira Ibero-Americana de 1998 ainda permitiu a requalificação da marginal e do edifício da Alfândega (sendo certo que os edifícios fronteiros, designadamente da freguesia de Miragaia, em vez de serem reabilitados, foram tapados para esconderem aos olhos dos visitantes o seu estado de degradação), a aposta na Capital Europeia da Cultura 2001 não se traduziu em qualquer investimento na reabilitação do edificado (preterido pela opção de reabilitação de algumas praças públicas). Em paralelo (e em consequência dessa opção), diminuíram-se significativamente as verbas transferidas para o CRUARB (que acabou por ser extinto em 2004, sem que, como estava previsto, a sua experiência se alargasse a todo o centro da Cidade), apostando-se num modelo de SRU que, objectivamente, não está vocacionado para a reabilitação do casco histórico.
Mais recentemente, a extinção da FDZHP correspondeu a outra machadada no processo de reabilitação do Centro Histórico, bem como no processo de dinamização da sua coesão social (apesar de todos os erros de orientação que enfermaram, desde o início, a sua actividade).
Consequência desta situação, o Centro Histórico do Porto que, entre 1991 e 2001, tinha perdido, nas suas quatro freguesias (Miragaia, S. Nicolau, Sé e Vitória), cerca de35% da sua População, terá visto este êxodo prosseguir e acentuar-se nos últimos 10 anos.
Para além deste despovoamento, bem como do agravamento do estado do edificado, as políticas prosseguidas pelas diversas entidades públicas nos últimos anos têm levado à prossecução de uma política especulativa que, para além da submissão do interesse público às vontades e opções do sector privado, tem levado à expulsão dos moradores mais carenciados para a periferia e à sua substituição (que não em número, por moradores das classes com rendimentos económicos mais elevados).
A lógica da actividade da SRU, como a CDU denunciou desde a publicação da legislação que lhe deu origem (em 2004), traduz-se pela sobreposição do interesse privado ao interesse público. Desde a escolha dos quarteirões a intervir aos programas de reabilitação a implementar, são os interesses das entidades privadas que predominam.
De facto, os quarteirões considerados prioritários não o são numa lógica de estratégia de cidade, antes resultando da existência de entidades privadas interessadas nos mesmos e com posições já tomadas do ponto de vista da propriedade. Por outro lado, os programas de reabilitação adoptados correspondem à salvaguarda da rentabilização (muitas vezes especulativa) desses interesses, com sacrifício de pequenos senhorios que, frequentemente, tinham assegurado areabilitação e a ocupação dos seus prédios, resistindo ao processo de despovoamento e de degradação registado nas últimas décadas. Assiste-se, assim, à transferência de propriedade dos pequenos senhorios para grandes grupos económicos (processo facilitado pelos instrumentos expropriativos colocados à disposição da SRU e que, em demasiados casos, foram aplicados tratando com evidente injustiça as entidades expropriadas), à expulsão de moradoresfragilizados para bairros municipais da periferia e à venda especulativa das habitações reabilitadas – de que o exemplo recente da venda de habitações tipo um por valores superiores a 170 mil euros é paradigmático – que desse modo apenas ficam acessíveis a famílias com altíssimos rendimentos. E claro está não existe uma reabilitação virada para a promoção de um mercado social de arrendamento, essencial para o repovoamento do centro histórico.
Não obstante esta situação, o processo de reabilitação tem decorrido muito lentamente, ficando significativamente aquém das expectativas mas, principalmente,das necessidades.
Números divulgados pela SRU numa sessão realizada em 2010 na Câmara Municipal do Porto (a solicitação da CDU) são demonstrativos desta caracterização:
- Em 31 de Dezembro de 2009 (ou seja, 4,5 anos após a constituição da SRU),os edifícios abrangidos pelos 32 documentos estratégicos eram 719. Destes, apenas 115 (16,9%) tinham acordo de reabilitação, tendo-se recorrido aprocessos expropriativos em 72 casos;
- Das parcelas com acordo de reabilitação, estavam concluídas as obras em apenas 29 e estavam em obra 50;
- No âmbito da designada “Operação Morro da Sé”, era necessário desalojar 27famílias, das quais 14 (52%) foram realojadas em bairros municipais, 8 em fogos da CMP situados no Centro Histórico, 2 tinham sido indemnizadas sem realojamento e 5 famílias aguardavam o processo de realojamento;
- As notícias mais recentes davam conta do insucesso do processo de venda de diversos fogos na Rua Mouzinho da Silveira, face aos preços exorbitantes queeram pedidos.
Ao mesmo tempo que isto acontece, assiste-se ao processo de liquidação da FDZHP, na sequência da decisão conjunta do Governo PS e da maioria PSD/CDS na Câmara, com a cumplicidade das quatro Juntas de Freguesia com a presidência do PS no Centro Histórico.
A FDZHP é um dos principais senhorios do Centro Histórico do Porto (em paralelo com o Município do Porto e a Santa Casa da Misericórdia), sendo proprietária de 301 fracções, assim distribuídas (de acordo com a classificação da própria Comissão Liquidatária):
- 17 prédios devolutos e degradados (num total de 135 fracções);
- 8 prédios devolutos e reabilitados (11 fracções);
- 4 prédios degradados com ocupação (12 fracções);
- 79 fracções com contratos de promessa de compra e venda;
- 54 fracções reabilitadas e arrendadas;
- 5 prédios com contratos de comodato/cedidos temporariamente (num total de 9 fracções);
- 3 terrenos; e
- 1 prédio afecto à sede da própria FDZHP.
O património devoluto da FDZHP tem vindo a ser vendido em moldes que constituem um tremendo erro, na medida em que:
- Desbaratam um património acumulado durante dezenas de anos e queconstituía o “núcleo duro” de “alavancagem” da reabilitação do Centro Histórico do Porto;
- Não impõem condições em termos de prazos para a reabilitação dos prédios, que podem continuar devolutos por muitos anos, ao sabor da especulação imobiliária;
- Não cumprem o fim que, em muitos casos, justificou a expropriação desses prédios;
- Não honram os compromissos que, muitas vezes, foram assumidos com osmoradores desses prédios aquando da sua aquisição/expropriação por parte do Município do Porto, e que passavam pelo seu realojamento temporário em bairros municipais, com a promessa do direito de regresso após a respectiva reabilitação.
Por outro lado, a FDZHP continua a ser titular de dezenas de contratos de arrendamento com famílias (alguns dos quais já resolveu através da transferência parabairros municipais…) e empresas comerciais, deixando de ter a capacidade de cumprir as suas obrigações de senhoria, com as consequências daí decorrentes para a degradação das condições de habitabilidade e do património
De referir, também, o encerramento de diversos equipamentos sociais que eram geridos pela FDZHP, bem como o fim de outras valências sociais, sem que, ao contrário do prometido, a Fundação para o desenvolvimento Social tenha ocupado o espaço aberto pela extinção da FDZHP – contribuindo, ainda mais, para a fragilização da rede de apoios sociais a uma população extremamente carenciada.
Ao mesmo tempo, e tal como a CDU já teve a oportunidade de denunciar, o Município do Porto também é, ele próprio, proprietário de 172 prédios no Centro Histórico do Porto (463 fogos), muitos deles devolutos apesar de reabilitados e mesmo prontos a habitar, ao mesmo tempo que a coligação PSD/CDS implementa políticas que obrigamos seus inquilinos a serem transferidos para bairros municipais – ficando as suas
casas devolutas.
Estes prédios, que antes eram geridos pelo CRUARB, estão agora sob a alçada da DomusSocial que, manifestamente, ainda não adquiriu competências para a gestão deste património (refira-se que grande parte dos contratos são feitos no âmbito do arrendamento urbano e não do arrendamento social), que se tem vindo a degradar não obstante as participações dos seus inquilinos.
Também as medidas legislativas propostas pelo PCP para facilitar o processo de reabilitação urbana têm vindo a ser chumbadas pelo PS com a conivência do PSD e do CDS. A proposta de reforço das verbas do PIDDAC 2011 para a reabilitação urbana do Porto (500 mil euros, que incluíam, também, a reabilitação dos centros históricos de V. N. de Gaia e de Vila do Conde), bem como o projecto de lei que visava a criação de bolsas de habitação a partir de prédios devolutos, incentivando a sua reabilitação e arrendamento a preços controlados, são disso exemplo.
Constata-se, assim, que os mais de 9 anos de maioria PSD/CDS na Câmara Municipal do Porto não têm sido benéficos para o Centro Histórico, verificando-se o crescimento do seu despovoamento, a aceleração do processo de degradação do seu edificado e o desinvestimento nos equipamentos e actividades de carácter social. Em particular, e em consequência das políticas prosseguidas pela SRU, pela comissão liquidatária da FDZHP e pela própria Câmara Municipal do Porto como senhoria, nestes últimos 9 anos foram mais as famílias do Centro Histórico a serem obrigadas a transferir-se, na maior parte das vezes contra a sua vontade, para bairros municipais, do que aquelas que, na sequência de processos de reabilitação, foram viver para esse mesmo Centro Histórico.
Com a agravante de se estarem a substituir famílias carenciadas economicamente por famílias com rendimentos mais elevados, na prossecução de uma política que, longe de fomentar uma diversificação dos extractos sociais, considera, objectivamente, que viver no Centro Histórico deve ser um privilégio dos ricos.
A CDU, ao mesmo tempo que denuncia, mais uma vez, esta situação, reafirma a sua firme vontade de continuar a lutar pela efectiva reabilitação do Centro Histórico doPorto, contribuindo, pela melhoria das condições de habitabilidade, para a fixação das suas gentes (que constituem a verdadeira alma e dão características únicas a um património edificado ímpar), bem como para o aumento da sua capacidade de atracção de outros sectores da população.
Porto, 27 de Março de 2011
A CDU – Coligação Democrática Unitária / Cidade do Porto