PCP denuncia alterações unilaterais ao projeto e exige garantias de defesa do interesse público.
A forma pouco transparente com que o processo da Alta Velocidade está a ser conduzido tem um único resultado: a cada nova notícia, surgem avanços, recuos e alterações imprevistas. A conclusão é clara e confirma o que o PCP tem vindo a denunciar: o projeto navega ao sabor dos interesses do consórcio privado que, mesmo em conflito com o interesse público, não tem encontrado uma oposição firme por parte do Governo, da Infraestruturas de Portugal ou dos autarcas.
Os últimos meses demonstraram com clareza a natureza deste processo. Não se trata de um debate transparente e democrático, mas de um jogo de pressões, chantagens e manobras por parte do consórcio LusoLAV, que constituiu a empresa AVAN Norte. Já depois de vencer o concurso público, o consórcio procura redefinir o projeto à sua medida, alterando traçados e localização de estações à margem das populações e do necessário debate público.
Esta realidade não é nova. Ficou precocemente confirmada pela resposta do Ministério das Infraestruturas a questões do PCP, ainda em setembro. Ao declarar então que “desconhecia” negociações de bastidores amplamente noticiadas, a tutela assumia uma passividade conivente. O cerne da questão foi revelado quando a resposta oficial explicitou que “competirá à Concessionária fixar a solução final”, cabendo ao Estado um mero papel de aprovação a posteriori.
Isto não faz do Governo um simples carimbador, mas um executor passivo, subordinado aos interesses privados, refém dos prazos e da complexidade do projeto, sem capacidade negocial. O Governo reconhecia, assim, que quem verdadeiramente desenha e define este projeto estratégico é o consórcio privado. A PPP não gere a obra; sequestrou-a.
Sem prejuízo de uma análise mais desenvolvida ao Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE) do troço Porto–Oiã, disponibilizado ontem, a DORP do PCP denuncia que este documento vem agora confirmar na prática esta dinâmica perversa, com alterações não previstas no caderno de encargos. Para lá de consolidar alterações já noticiadas, mas não debatidas — como a nova localização da estação de Vila Nova de Gaia, as pontes sobre o Douro, o aumento das expropriações e as mudanças na Estação de Campanhã —, o documento trouxe um elemento novo e de profunda gravidade: a alteração da ligação da estação de Gaia ao metro.
É de extrema gravidade que o consórcio tenha apresentado, quer na Comunicação Social quer junto dos órgãos autárquicos, a ligação ao metro através da nova Linha Rubi, com os custos de construção a serem suportados por si, para agora, pela calada, o RECAPE alterar essa solução para uma ligação à Linha Amarela, ao mesmo tempo que procura sacudir responsabilidades com os custos.
Esta mudança surge sem justificação clara dos seus impactos, seja na frequência da ligação, na população servida ou, de forma crucial, no seu financiamento. A verdadeira dimensão do arbítrio é esta: um consórcio concorre com uma proposta, vence, e depois altera unilateralmente elementos fundamentais do projeto. Isto coloca em causa os fundamentos do próprio concurso público, configurando uma situação suscetível de impugnação e reveladora da fragilidade e opacidade de todo o processo.
Perante este cenário, o PCP sublinha que as questões que tem vindo a colocar permanecem sem a devida resposta. O insistente argumento do “desconhecimento”, por parte do Ministério e da IP, sobre situações amplamente noticiadas e debatidas publicamente, não é credível.
Traduz, antes, uma opção de fundo: a de não intervir num processo que se quer confinado aos bastidores, onde prevalecem os interesses do consórcio. Assumir conhecimento obrigaria a uma intervenção firme e a uma tomada de posição pública que, aparentemente, não se pretende assumir.
Nesta fase do processo, a alegação de desconhecimento configura uma manifestação de conivência e confirma que o interesse público está refém de uma lógica de gestão privada. Impõe-se, por isso, esclarecer o real envolvimento entre o Governo, a IP e o consórcio, perante as gritantes contradições entre as versões oficiais e o que vai sendo noticiado. É imperativo obter garantias de que as decisões respeitam os compromissos públicos e não resultam de pressões empresariais.
O PCP reafirma que o projeto da Alta Velocidade deve ser conduzido sob controlo público efetivo, garantindo transparência, participação das populações e defesa do interesse nacional. Não deixará, por isso, de exigir todas as explicações necessárias, designadamente no âmbito da audição da IP e do Ministro das Infraestruturas e Habitação na Comissão de Infraestruturas, Mobilidade e Habitação da Assembleia da República.
Porto, 23 de Outubro de 2025
O Gabinete de Imprensa da DORP do PCP
