A propósito do projecto de regulamento de publicidade e propaganda do PSD/CDS/PS para o concelho de

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A Câmara Municipal de Valongo apresentou recentemente na Assembleia Municipal um Projecto de Regulamento de Publicidade, Propaganda Política e Eleitoral e outras utilizações do espaço público. Este projecto havia sido aprovado em reunião de Câmara, a 24 de Maio p.p., por unanimidade dos vereadores do PSD, do PP e do PS. Na votação na Assembleia Municipal, o projecto viria a passar apenas com dois votos contra, um do PCP e outro do BE e encontra-se para publicação no D. R. para posterior discussão pública.

Será interessante lembrar, a propósito, que, ainda há menos de um ano, o PS votou contra, na Câmara e na Assembleia Municipal do Porto, contra um regulamento apresentado pela coligação PSD/PP que domina aquela autarquia e do qual esta proposta da CMV é uma cópia quase fiel. Se não tivéssemos já atrás de nós uma vasta experiência dos torcicolos e malabarismos do PS, muito nos admiraria a posição de defesa deste regulamento pelos seus eleitos, agora verificada em Valongo.

O PCP compreende as preocupações ambientais e estéticas, em que os autores do projecto baseiam e justificam a sua apresentação. Gostaríamos, até, de verificar estas mesmas preocupações no ordenamento do território de Valongo, na qualidade e volumetria das construções licenciadas pela Câmara, na existência de uma boa rede de jardins e parques no concelho, na defesa consequente do património florestal das serranias que envolvem Valongo e de outros valores ambientais, como o rio Leça e outros cursos de água que atravessam o concelho, etc.. Gostaríamos...
Notamos, ainda, que a defesa destes valores, no que à afixação de mensagens de propaganda diz respeito, é já assumida claramente na Lei 97/88, de 17 de Agosto, com as modificações ao artigo 4º, que lhe foram introduzidas pela Lei 23/2000, de 23 de Agosto. Se a Câmara de Valongo nunca actuou nesta matéria, foi porque não quis e não por falta de bases legais para o fazer.

Também não nos opomos a que, mas apenas de acordo com as possibilidades que a Lei lhe confere, a CMV possa dispor de um Regulamento de Publicidade, que possa contribuir para por fim às inúmeras agressões à paisagem que constituem, por exemplo as dezenas de out-doors publicitários que enxameiam ruas, estradas, zonas residenciais, margens de rios, campos e matas do concelho.

O que o PCP discorda frontalmente é que, passando por cima dos Direitos, Liberdades e Garantias consagrados na Constituição da República, quer no seu artigo 37º, quer no artigo 113º, que estabelece os princípios gerais de direito eleitoral e que assegura taxativamente a liberdade de propaganda, quer de outras leis da República, este projecto da Câmara pretenda, com maior gravidade no seu Capítulo VII, artigos 53º a 56º, restringir a propaganda política e eleitoral, pondo em causa de forma grosseira e ilegal a liberdade da sua realização, tal como é garantida pela Constituição e pelas leis em vigor, como vamos procurar demonstrar. 

De facto e de acordo com diversos acórdãos do Tribunal Constitucional – órgão máximo fiscalizador da constitucionalidade das leis publicadas no país, eleito no plenário da AR – e sucessivos pareceres da Comissão Nacional de Eleições – órgão eleito no plenário da Assembleia da República e que integra além de membros do Governo e dum juiz do Supremo Tribunal Administrativo, que preside, representantes de todos os partidos com assento no hemiciclo – as Assembleias Municipais não têm legitimidade, quer por iniciativa própria, quer por proposta da Câmara, para regulamentar, seja de que maneira for, o direito de exercício da propaganda política e eleitoral.

Quando muito e como está consignado no Acórdão Nº 258/2006 do Tribunal Constitucional, as AM podem apenas proceder a “uma simples regulamentação do exercício de um direito”.

Apenas a Assembleia da República ou o Governo mediante autorização legislativa parlamentar, têm poder para legislar sobre esta matéria, que é matéria de direitos, liberdades e garantias, que a Constituição consagra e por isso mesmo, reserva de competência legislativa daqueles órgãos do poder. Como se pode ler no Acórdão Nº 258/2006 do Tribunal Constitucional, esta reserva apenas permite às autarquias elaborar “regulamentos de mera execução”. Estas questões estão explicadas à saciedade em sucessivos acórdãos, emitidos ao longo dos anos pelo Tribunal Constitucional (Acórdãos nºs 74/84, 248/86, 307/88, 636/95, 231/00, 258/06, etc.). O projecto de regulamento em análise é, por isso, invasivo da esfera de competências legislativas da AR e do Governo.

Fica assim demonstrado, logo à partida, que a Câmara e a Assembleia Municipal de Valongo, estão a meter foice em seara alheia, de modo grave, ao insistirem em incluir nesta proposta de regulamento de publicidade articulado sobre o direito de propaganda política, e ainda por cima de carácter limitativo e proibitivo, sobrepondo-se e ultrapassando o que as leis da República prevêem.

Por outro lado, resulta do regime constitucional em vigor que “as entidades públicas ou privadas não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial de preceitos constitucionais que só podem sofrer restrições, necessariamente, por via de lei geral e abstracta e sem efeito retroactivo, nos casos expressamente previstos na Constituição”, como pode ler-se no parecer registado na Acta nº 9, de 22.09.2005, da CNE.

Ainda de acordo com a CNE, por exemplo no parecer jurídico registado na Acta nº 14, de 25.10.2005, “a afixação de mensagens de propaganda em lugares ou espaços públicos, seja qual for o meio utilizado, é livre no sentido de não depender de obtenção de licença camarária”, pois “de contrário, estar-se-ia a sujeitar o exercício de um direito fundamental a um acto prévio e casuístico de licenciamento, o que poderia implicar o risco de a efectivação prática desse direito cair na disponibilidade dos órgãos da Administração”.

 Como já ficou demonstrado, a Câmara e a AM de Valongo, começam por infringir a Lei Fundamental do país, ao pretenderem regulamentar o que não podem. Isto nos bastaria para exigir a retirada do projecto do articulado sobre propaganda, nos termos em que está redigido e que contrariam a Constituição e a Lei 97/88.

Mas, de seguida, vêm os atropelos à Lei 97/88 (que regula o direito de afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda), logo no artigo 5º do projecto de regulamento, ao afirmar que – e citamos – “em caso algum será permitido qualquer tipo de publicidade ou outra utilização do espaço público constante deste Regulamento, sem prévio licenciamento a emitir pela Câmara Municipal”. De facto na citada Lei 97/88, no seu artigo 4º, cujo título é “Critérios de licenciamento e exercício”, estabelecem-se com muita clareza, no ponto 1., critérios para o licenciamento da publicidade comercial e para o exercício das actividades de propaganda, diferenciando-se claramente uma e outra. Ou seja, só a publicidade comercial é passível de necessidade de licenciamento; a propaganda política é livre e sujeita apenas a regras de exercício legais previstas neste mesmo artigo e ponto. As excepções à liberdade de propaganda e de acordo com as interpretações jurídicas do TC e da CNE até agora emitidas, “devem ser interpretadas de forma estrita e não restritiva para os direitos, liberdades e garantias”, como, ao contrário, pretende a CMV, ao pretender incluir limitações ao direito de propaganda num regulamento de publicidade, misturando as coisas.

    Aliás, estas restrições, enumeradas no artigo 4º do Lei 97/88, decorrem do bom-senso elementar e do civismo e são de há muito geralmente praticadas pelo PCP na sua actividade de propaganda, no concelho de Valongo e não só.

    Analisemos agora o Capítulo VII deste projecto de regulamento da CMV, no qual estão bem explícitas as pretensões da Câmara de Valongo a poder limitar o direito de propaganda política.
    Os princípios gerais expostos no capítulo 53º são aceitáveis.
   O artigo 54º faz uma transcrição quase literal dos preceitos do artigo 4º da lei 97/88, e contra isso, nada a opor.
No entanto, este artigo insere, logo no ponto 1., uma interpretação abusiva do ponto 1. do artigo 3º da Lei 97/88.

    Vejamos:
   Escrevem os autores do projecto da Câmara: “a afixação de propaganda só será permitida nos locais para o efeito disponibilizados e devidamente identificados, que a Câmara publicará em edital”.
    O ponto 1 do artigo 3º da Lei 97/88 estabelece, com efeito, que “a afixação ou inscrição de mensagens de propaganda é garantida, na área de cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais”. O ponto 1. do artigo 7º desta mesma Lei, estabelece a mesma obrigação às câmaras, mas apenas em períodos eleitorais. Ao garantir espaços e lugares para afixação de propaganda, as autarquias, como manda a Lei, estão a contribuir para a realização do princípio da igualdade de direitos e garantias das diversas forças políticas. Garantir não significa obrigar a utilizar só aqueles locais, de forma exclusiva.

    A este propósito, o Tribunal Constitucional é bem claro, quando, no seu acórdão Nº 636/95, esclarece que “não existe (na Lei 97/88) uma proibição absoluta de afixar ou inscrever mensagens de propaganda (...) em espaços ou lugares públicos, fora dos locais necessariamente disponibilizados pelas câmaras municipais”. Este acórdão declara mesmo a inconstitucionalidade desta proibição. Como também declara inconstitucional qualquer norma que proíba “a instalação e manutenção de estruturas de suporte de propaganda”.

Também a CNE esclarece na Acta nº 15, de 08.11.2005: “Nos termos do artigo 7º da Lei 97/88 e do artigo 62º da Lei Orgânica das Autarquias locais, devem ainda as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia colocar à disposição das forças concorrentes espaços especialmente destinados à afixação da sua propaganda. Esta obrigação não significa que às forças políticas só seja possível afixar propaganda nos citados espaços disponibilizados para esse fim, já que constituem meios e locais adicionais para a propaganda” E a CNE conclui reiterando que “a organização dos espaços de propaganda por parte dos órgãos autárquicos está vinculada aos critérios de igualdade e universalidade”.

    Quanto ao ponto 2. do projecto de regulamento da Câmara, colide também com a Lei 97/88, pelo menos em parte, uma vez que parte dos locais – marcados no mapa anexo ao projecto – que se pretende interditar à colocação de propaganda não se enquadram nos preceitos do artigo 4º daquela Lei. Ou seja, não se trata ali de monumentos nacionais, edifícios religiosos, sedes de órgãos de soberania, etc., mas tão-só de locais que a Câmara entende interditar à afixação de propaganda, ao arrepio das leis gerais do país, que lho não permitem fazer.
Não sendo nós juristas, podemos, no entanto, lembrar que existe no Direito a hierarquia das fontes do Direito – o que significa que qualquer regulamento camarário tem de se submeter às leis da República e não pode inserir no seu articulado preceitos inovadores ou contraditórios em relação àquelas leis.
Daí que as limitações ao direito de afixação são as que estão explícitas no artigo 4º da Lei 97/88 e não as que convêm à Câmara Municipal de Valongo.
        Daí também que seja lamentável, pelo menos, a forma despreocupada como a Câmara e a Assembleia abordam esta questão.
Podemos até aceitar que a CMV queira preservar alguns locais da afixação de propaganda, se esta vontade da autarquia for comedida, se se enquadrar nos preceitos da Lei e se for objecto de consenso entre as forças políticas e sociais actuantes no concelho.
    O ponto 3. é uma transcrição parcial dos critérios de licenciamento e exercício, descritos no artigo 4ª da Lei 97/88 e nada há a comentar a propósito. No entanto, o projecto, já que transcreve estes critérios, devia transcrever os outros, expressos nos pontos 2. e 3. do referido artigo 4º.

    Continuemos:
   No artigo 55º do projecto de regulamento não é claro que deve ser a Câmara a distribuir, de forma equitativa, os espaços por si disponibilizados para afixação de propaganda política. A CNE também se pronunciou diversas vezes sobre esta questão neste sentido.
     No artigo 56º e 58º, que se referem à remoção de propaganda, mais uma vez nos referimos a pareceres da CNE, ao declarar a ilegalidade de tais procedimentos. As Câmaras não podem remover a propaganda e as estruturas que eventualmente a suportem, a não ser em casos de eminente perigo público e, mesmo assim, avisando os promotores da afixação da propaganda. Se houver eventualmente lugar à remoção, devem ser avisados para o fazer os promotores da afixação da propaganda e intimados a removê-la, tal como está definido no artigo 6º da lei 97/88 e apenas nos termos estritos da lei e das limitações à liberdade de propaganda enumeradas no artigo 4º da lei 97/88. 

    Mais adiante, no capítulo VIII, artigo 57º, do projecto de regulamento da Câmara, os atropelos à Constituição e às leis da República, prosseguem, ao definir os actos de propaganda política como contra-ordenações e ao prever a sua punição com coimas.

Esclareça-se tão-só que um articulado destes, que “tipifica e pune como contra-ordenação a afixação e inscrição de propaganda e a manutenção e instalação dos respectivos suportes” foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão Nº 258/2006 (cap. IV-Decisão, alínea d).

    Concluindo:
   Do ponto de vista jurídico, e fazendo apenas a análise superficial que fizemos, é indefensável este projecto de regulamento da Câmara Municipal de Valongo, ao procurar impor restrições que a CR e as leis da República desautorizam em matéria de propaganda política e eleitoral.
    Do ponto de vista político, consideramos muito grave a propensão autoritária da maioria, se calhar não tão conjuntural como isso, formada na Câmara e na Assembleia para tentar impor, a pretexto de preocupações estéticas e ambientais que tanto negligenciam noutros campos, e a coberto de um Regulamento de Publicidade, limitações ao direito de propaganda política, sindical e social, garantido pela Constituição da República Portuguesa e pelas leis do país emanadas dos órgãos que têm legitimidade para regular esta matéria.

    O Partido Comunista Português tem atrás de si meio século de duras lutas, entre elas pelo direito à informação e à liberdade da palavra falada e impressa. A esse meio século devem ser acrescentados mais 30 anos sob o regime democrático em que a mesma luta estrénua e incansável prossegue, pelo direito à divulgação dos nossos ideais e das nossas propostas, contra todos os bloqueios e silenciamentos.

    O PCP defendeu na AM a alteração deste projecto e votou contra a sua aprovação. Vamos continuar a bater-nos pela manutenção da liberdade de propaganda no concelho de Valongo, no campo político, com a apresentação de propostas concretas e racionais, pelo debate democrático, correcto e frontal, como é costume, e no campo jurídico, se preciso for.


Ermesinde, 16 de Agosto de 2007
omissão Concelhia de Valongo do Partido Comunista Português