Intervenção da CDU sobre o 25 de Abril - Assembleia Municipal da Maia

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Foi ao som duma extraordinária composição e interpretação de ‘Zeca’ Afonso – a Grândola Vila Morena, que a 25 de Abril de 1974 teve início em Portugal a necessária libertação dum povo que sofreu durante 48 anos o obscurantismo, a opressão, o medo, o atraso e a ausência de liberdades. Saudamos, por isso, os capitães de Abril por terem sabido interpretar as profundas inquietações e anseios da população portuguesa.

A Revolução de Abril não foi só o derrubamento do governo fascista de Marcelo Caetano e a consequente mudança nos órgãos do Poder. Foi um grande movimento de democratização política e de transformações sociais e económicas que criaram condições para Portugal sair dos atrasos acumulados em meio século de ditadura fascista e 12 anos de guerras coloniais. Foi um poderoso processo revolucionário que, em pouco mais de um ano, mudou radicalmente o País.

Creio ser completamente justificável relevar aqui também o papel do PCP.
A intervenção do PCP na Revolução não se iniciou no dia 25 de Abril. O PCP tinha décadas de luta activa contra a ditadura fascista e uma maturação política que lhe dava uma percepção aprofundada das condições sociais, económicas e políticas do País; tinha um projecto para a democracia portuguesa, e uma ligação estreita com as classes trabalhadoras e as massas populares, desenvolvida nas lutas por objectivos concretos travadas nos anos do fascismo. Foi um abraço de décadas que ligou a luta pela liberdade à luta pelos direitos sociais.

O momento que marca o início de uma revolução é aquele em que uma alteração profunda na correlação de forças leva à mudança do poder político. Foi o que aconteceu na madrugada do 25 de Abril, com a insurreição dos capitães e o levantamento militar que nessa mesma manhã a apoiou. A vinda para a rua das massas populares no dia 25, as manifestações do 1º de Maio, o início das acções populares para o exercício das liberdades e o saneamento dos fascistas, selaram a aliança Povo/MFA.   
A Revolução de Abril trouxe-nos inúmeras conquistas individuais e colectivas, foi um período de transformação e construção que nos garantiu um património colectivo desde logo consagrado na Constituição da República de forma intrínseca e basilar ao regime democrático que ela define e almeja.Chegou-se ao 25 de Abril de 1974 com um sistema de previdência social que vinha de 1962 (as Caixas de Previdência) e um sistema de assistência que oferecia uma protecção social muito limitada quer quanto ao número de pessoas que abrangia, quer quanto às respostas sociais que apresentava, e onde predominavam baixos valores no que toca a prestações sociais.

É com a Revolução de Abril que são dados passos decisivos na criação de um Sistema Público de Segurança Social e na melhoria das condições de vida dos portugueses, sobretudo das classes trabalhadoras. Recordam-se, entre outras:
- O aumento do abono de família;
- O mês de férias pagas e o respectivo subsídio;
- A criação do Salário Mínimo Nacional (Maio 1974);
- A fixação do valor mínimo da pensão de invalidez e velhice do regime geral igual a metade do salário mínimo nacional (1974);
- A criação da pensão social destinada a pessoas que não tinham descontado para a previdência (Maio 74);
- A atribuição do abono de família a desempregados (1974);
- A criação do subsídio de Natal para pensionistas com valor igual ao da pensão (Dezembro 74);
- O suplemento de grande invalidez (1975);
- A criação do subsídio de desemprego (1975).
- A dinamização de iniciativas de apoio à família; constituem-se creches, infantários e lares de 3ª idade subsidiados pela segurança social e sem fins lucrativos.

O 25 de Abril de 1974 representou também para as mulheres portuguesas uma autêntica revolução. Abriram-se as portas para a conquista de um lugar digno na sociedade, em igualdade de direitos com o homem no trabalho e na família. A título de exemplo:
- A abertura às mulheres das carreiras da magistratura judicial, do ministério público e dos quadros de funcionários da justiça, da carreira diplomática e a todos os cargos da carreira administrativa local;
- A abolição de todas as restrições baseadas no sexo quanto à capacidade eleitoral;
- A alteração do artigo XXIV da Concordata, passando os casamentos católicos a poder obter o divórcio civil;
- A abolição do direito do marido abrir a correspondência da mulher;
- A revogação das disposições penais que reduziam penas ou isentavam de crimes os homens, em virtude das vítimas desses delitos serem as suas mulheres ou filhas;
- A ampliação do período de licença de maternidade para 90 dias, 60 dos quais teriam de ser gozados após o parto, estando abrangidas todas as trabalhadoras;
- A entrada em vigor, em 1978, da revisão do Código Civil, na família a mulher deixa de ter estatuto de dependência para ter estatuto de igualdade com o homem;
- A criação das consultas de planeamento familiar e de saúde materno – infantil.
   
O 25 de Abril de 1974 representou também no plano do poder local democrático uma profunda alteração. De prolongamentos locais do Poder Central fascista com responsabilidades na repressão aos cidadãos, as autarquias passaram a ser eleitas pelo voto popular, com autonomia relativamente a outros órgãos de poder, tendo desempenhado um papel crucial na melhoria das condições de vida e na superação das enormes carências existentes, desde o abastecimento de água, esgotos e lixos, habitação, espaços verdes, a construção de estradas e arruamentos, a cultura e o desporto.

Senhor Presidente e Senhores Deputados, a concepção de uma democracia plena mantem a actualidade e é uma base fundamental de análise do momento que vivemos. O profundo ataque a que estão sujeitas as conquistas democráticas da Revolução de Abril, dirige-se a todas e a cada uma das vertentes que a Constituição da Republica Portuguesa, aprovada em 1976, apesar das sucessivas revisões ainda consagra.

Na vertente económica e na decisiva questão da submissão do poder económico ao poder político, os sucessivos governos (PS, PSD, CDS-PP, sozinhos ou em aliança) têm submetido a sua acção aos interesses do grande capital. Basta ver a política de privatização e liberalização de grandes empresas de abastecimento ou fornecimento de bens e serviços essenciais como a CP, a EDP, os CTT, a PT, a GALP, substituindo os objectivos do serviço público, pelo objectivo do lucro privado; a política de isenções e benefícios fiscais ao capital financeiro, ou as alterações à legislação laboral, para concluir que os grandes grupos económicos têm tido nos governos fiéis intérpretes dos seus interesses. O nosso país continua a ver agravado o fosso entre ricos e pobres (somos na UE a 25 o país com maiores desigualdades), com a crescente apropriação e concentração da riqueza produzida nas mãos de cada vez menos pessoas e a ausência de uma redistribuição eficaz.

Na vertente social, temos o profundo ataque contra os direitos dos trabalhadores, designadamente na alteração das leis do trabalho. Com uma elevada e permanente taxa de desemprego, verifica-se um forte condicionamento dos salários reais, com aumentos inferiores à inflação e a imposição de uma relação laboral de precariedade aos jovens trabalhadores que com a actual legislação nesta matéria não conseguem a tão desejada e ambicionada estabilidade sócio – económica.

Simultaneamente degradam-se os serviços públicos nas áreas sociais, atingindo em particular as camadas mais desfavorecidas, que disso mais dependem para efectivar os seus direitos. É o que vem sucedendo com o sector da saúde, em que um Serviço Nacional de Saúde emanado da Revolução de Abril e que colocou o nosso país no mais honroso lugar, por exemplo no que diz respeito à mortalidade infantil, está hoje a ser profundamente atacado com o encerramento de serviços, pagamento de taxas do mais diverso tipo e desenvolvimento de serviços privados como uma área de negócio de excelência.

Assistimos ao empobrecimento do acesso à fruição cultural, ao conhecimento e à educação. A elitização dos diversos graus de ensino, procurando restringir o acesso da generalidade dos jovens aos níveis mais elevados (designadamente ao ensino superior), com a utilização de critérios de selecção que impõem discriminações de classe, é uma marca da evolução da sociedade portuguesa nos últimos anos. As ofensivas dos sucessivos Governos pretendem dar novos passos neste caminho de mercantilização de saberes, ao acentuar a privatização do ensino, com elevados níveis de abandono e insucesso, restringindo os apoios sociais e educativos, a direita e não só, está a limitar aos mais favorecidos o acesso ao ensino, sendo disso exemplos:
- A existência de despesas inerentes aos custos de frequência do Ensino obrigatório e Secundário, embora a Constituição o consagre como gratuito;
- A persistência dos numerus clausus, que restringe o acesso universal ao ES;
- A Lei de Financiamento do Ensino Superior de 2003 que impôs o pagamento de propinas e consequente abandono do ES dos alunos mais carenciados;
- A tentativa de retirada dos estudantes dos Órgãos de decisão das Instituições, tentando assim menosprezar e até recusar o seu contributo para as decisões que também os afectam;
- A implementação e imposição do Processo de Bolonha, numa clara tentativa de elitização do Ensino Superior e empobrecimento da formação de cada individuo, tornando-o numa mão – de – obra especializada e descartável.

Existem também reais perigos para as liberdades individuais. Sem falsos alarmismos, é possível hoje detectar sinais de restrição de direitos, liberdades e garantias, muitas vezes justificada pela ameaça do terrorismo e que se apoia na sobrevalorização de valores securitários. Entre nós aí estão os retrocessos da última revisão constitucional, em matéria de violação dos domicílios à noite, de acrescidas possibilidades de extradição e os recuos no carácter civilístico das forças de segurança.
Para além disso a visibilidade pública das várias correntes políticas e de opinião, num quadro cada vez mais marcado por uma enorme concentração dos meios de comunicação social nas mãos de grandes grupos económicos, está longe de ser equilibrada. Tudo isto se conjuga perigosamente com uma progressiva desconfiança de largas faixas da população em relação ao funcionamento da democracia.

O carácter soberano do poder político no nosso país assume hoje uma importância decisiva. Em primeiro lugar, o avanço do processo de integração europeia tem sido traduzido em sucessivas transferências de soberania para instâncias comunitárias, com sérios prejuízos para os povos e os países, designadamente os menos desenvolvidos como Portugal. Depois na subordinação do poder económico ao poder político e a passagem do controle de vastas áreas da economia e da sociedade para as mãos de grandes grupos privados. É recorrente a discussão sobre a manutenção de centros de decisão essenciais para a nossa economia em mãos nacionais. O capital nacional, que hipocritamente manifesta com frequência a sua preocupação com o controlo estrangeiro de sectores e empresas fundamentais (certamente almejando novas facilidades em futuros processos de privatização ou de liberalização de sectores) não hesita em passar a cobres ao capital estrangeiro as empresas que detém.

Por outro lado acentua-se a submissão do país ao imperialismo norte-americano, abdicando de uma política externa própria e orientada para a paz e a cooperação entre os povos, designadamente com o envolvimento de Portugal na ocupação do Iraque, do Afeganistão. A defesa da soberania nacional, que não se confunde com nacionalismos ou isolacionismos, é hoje uma batalha decisiva do povo português, sem a qual a sujeição do nosso país aos interesses do capitalismo mundial e do imperialismo é inevitável.
Há razões para dar o alerta pela defesa da democracia e das liberdades e direitos fundamentais, enquanto se vão manifestando com maior à-vontade os valores mais retrógrados e até de extrema-direita. Assumem cada vez maior insistência os ataques ao 25 de Abril, procurando a reescrita da história recente. Havendo uma crescente consciência da dimensão dos ataques em curso, a resposta é ainda insuficiente. Tais ataques visam alterar aspectos estruturais da sociedade saída do 25 de Abril.

Neste quadro complexo, a necessidade de acentuar a luta contra esta política e exigir uma verdadeira política alternativa é um ponto decisivo. Faixas importantes da população, desiludidas com o sistemático incumprimento de promessas eleitorais, com a não resolução dos problemas do país, com a promiscuidade entre o poder e os grandes interesses económicos, afastam-se da participação eleitoral e da intervenção social.
   
Senhor Presidente e Senhores Deputados, encontramo-nos aqui a evocar e comemorar o 25 de Abril de 1974, que para nós CDU não é um acontecimento datado e arrumado no tempo, mas uma porta aberta para o futuro onde estão impressos valores humanistas e progressistas que devem continuar presentes na sociedade portuguesa. Por isso, é nossa convicção mais profunda que é urgente um novo rumo para o país, uma ruptura com as politicas que vêm contrariando e destruindo as conquistas democráticas do 25 de Abril. Por um Portugal desenvolvido com mais justiça social.

Maia, 25 de Abril de 2007
A Bancada Parlamentar da CDU